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Jorge Guinle em diálogo: Lygia Clark

Jorge Guinle em diálogo: Lygia Clark

17/07/2020 até 18/07/2020

"Lygia Clark e o Hélio Oiticica
são para mim os primeiros artistas
100% vanguardistas do Brasil."

Ela se apresenta bem tratada, cílios e boca pintada. O apartamento por sua vez é despojadamente agressivo, ilustrando diretamente seu trabalho. No chão, uma estrutura da série dos bichos, na parede uma escultura relevo, “O casulo”. Numa parede toda vermelha do salão sobressaem vários objetos agrestes: um papagaio de sisal, cataventos de papel... Aqui dois mundos se unem. Senti-me, de repente, numa choupana à beira rio, que se encontra por sua vez numa construção redutivista.

 

[Jorge Guinle/Interview] Lygia Clark por que você trocou a arte pela psicanálise? 

[Lygia Clark] Não troquei a arte pela psicanálise, acontece que nas minhas pesquisas todas acabei fazendo o que faço, que não é psicanálise. É uma terapia com o corpo, com objetos inventados por mim e com uso criado por mim também. Mas não é psicanálise, é mais uma terapia.

[JG] Para o espectador entender seu trabalho é necessário um conhecimento anterior de toda a sua trajetória?
[LC] 
Não, para fazer este tipo de trabalho que faço atualmente é justamente o contrário. Se não souber é melhor para ele próprio começar a usar esses novos objetos que faço. Sem ideias pré-concebidas. Uso almofadinhas de areia, isopor, objetos leves/pesados. Não há necessidade dele saber como o objeto nasceu e nem há necessidade dele conhecer a teoria que o objeto gerou. Aliás eu faço a mesma coisa em relação ao paciente, quando vem fazer um trabalho comigo eu não tenho uma teoria a priori para aplicar nele. Quero trabalhar para que ele viva no aqui e agora toda a sua história, todo o seu tempo. Gosto até de caçoar com a pessoa dizendo o seguinte: se você já sabe da sua história o que veio fazer aqui?

 

[JG] Engraçado observar a sua trajetória; de um concretismo geométrico você passou a usar formas amorfas, digamos pouco definidas, como os sacos de plástico. Também para mim houve uma passagem do concretismo para uma arte mais sensorial. As obras concretistas eram racionais, proporcionais e bem definidas. A obra agora, pelo contrário, é sensitiva, subjetiva e personalista. E pra finalizar, para resumir essa mudança digamos que partindo do objeto concretista que tinha um objetivo mais social você de volta a gora para um projeto mais individualista.

[LC] Não, pelo contrário, a arte que faço hoje é muito mais social do que a que eu fazia antes. Hoje, quero “elaborar as pessoas”, como diria o Hélio Pelegrino, acho que isto é muito mais social do que fazer um trabalho individual. Mesmo quando fiz bicho em 1959 – que tinha uma estrutura móvel – eu já pedia a participação do público. Depois disso trabalhei com borracha...

 

[JG] Agora voltando para a obra de outro artista: é engraçado, também, como a evolução de Hélio Oiticica acompanhou um pouco a sua, não é verdade.

[LC] Acho que o Hélio foi o maior artista que conheci em vida, mas acho que nós não tínhamos muita coisa em comum, apesar que o Hélio começou a usar um certo tipo de material – saco de cebola, areia, terra, plástico – primeiro do que eu mas o conceito como eu uso esse tipo de material é completamente diferente do conceito dele. Embora o Hélio tenha feito “parangolé” – uma roupa – e eu tenha feito a roupa chamada “cesariana” e uma outra chamada “eu e tu” – que já era pra você abrir e tocar o corpo do outro e sentir o bio-tipo do sexo através do toque – o conceito era sempre diferente.

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#JorgeGuinleEmDiálogo apresenta trechos de entrevistas realizadas por Jorge Guinle para a Revista Interview. Fundada por Andy Warhol em 1969 nos EUA, a revista tinha como marca registrada uma abordagem despojada com entrevistas com pouca ou quase nenhuma edição. Para a versão brasileira, Guinle colaborou entre os anos de 1979 e 1982, entrevistando nomes como Lygia Clark, Hélio Oiticica, Mira Schendel, entre outros. Estas trocas para a Interview estimulam a percepção do espectador frente ao objeto artístico e pesquisa de cada artista.


 

Fonte: https://mailchi.mp/simoesdeassis/interview_lygiaclark?e=82e28604fe



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