Jesús Rafael Soto, Carlos Cruz-Diez, Antonio Asis e Abraham Palatnik têm muito em comum: todos são latino-americanos da mesma geração e criaram arte abstrata de cunho concreto, mais precisamente arte cinética – uma arte que envolve luz e movimento, além de contar com a participação do espectador.
Os quatro artistas preferiam suportes pouco tradicionais, e Soto, Cruz-Diez e Palatnik quase não utilizavam o pincel, embora se considerassem pintores. Mesmo quando Palatnik criou suas obras pioneiras com luz e movimento, como os Cinecromáticos (a partir de 1950) e os Objetos Cinéticos, sempre se considerou um pintor, “embora ao longo do tempo eu tenha mudado radicalmente a forma como a pintura aparecia”, como afirmou em 2012. Da mesma maneira, Cruz-Diez desde o início pensou na existência de outra maneira de pintar: “Por que a arte pictórica deve ser elaborada com cores aplicadas por um pincel sobre uma tela? (...) Minhas máquinas e equipamentos são para mim o que a paleta e o pincel são para o pintor”, disse ele em 2009.
As primeiras obras de arte cinética desses artistas surgiram num período de forte modernização da América Latina, e o continente desempenhou papel fundamental nesse movimento, algo que só recentemente foi reconhecido pela história da arte, sempre eurocêntrica. No Brasil, o Museu de Arte de São Paulo (MASP, criado em 1947), os Museus de Arte Moderna (MAM de São Paulo e do Rio de Janeiro, em 1948), e a Bienal de São Paulo (1951) desempenharam papel fundamental na divulgação da arte abstrata e de outras tendências contemporâneas. Na Argentina, Buenos Aires favoreceu o desenvolvimento da abstração no pós-Segunda Guerra Mundial, com a revista Arturo, a Asociación Arte Concreto-Invención (AACI) e a atuação do Grupo Madi, ambiente inspirador para Asis.
A situação na Venezuela era um pouco diferente nessa época, pois a ditadura militar dificultava o desenvolvimento de uma arte contemporânea e crítica, embora tenha estimulado a integração de arte experimental e arquitetura no projeto inovador para a Cidade Universitária de Caracas. Muitos artistas acabaram saindo do país, e vários deles se estabeleceram em Paris, como Soto em 1950 e Cruz-Diez em 1960.
A obra cinética não quer apenas traduzir ou representar o movimento, busca realmente se movimentar. Algumas peças utilizam o deslocamento ótico, e a op art parece ser uma descrição adequada para todas as obras aqui reunidas: elas mostram um universo vibrante, com movimentos sutis e ritmos envolventes. Embora as obras sejam, na realidade, estáticas, nossa percepção é de um movimento real no caso de Soto, Cruz-Diez e Asis, e de um movimento temporariamente contido na obra de Palatnik. Os artistas da op art utilizaram as leis da Gestalt, psicologia desenvolvida para explicar o funcionamento da nossa percepção enquanto ato visual. A Gestalt afirma, por exemplo, que “o todo é maior que a soma das partes”, e sabe-se que o olho humano percebe um objeto como um todo antes de perceber as suas partes individuais – daí as ilusões visuais inerentes a essas obras.
O venezuelano Jesús Rafael Soto (Ciudad Bolívar, 1923 – Paris, França, 2005) baseia-se em linhas e formas geométricas para explorar relações físicas como tempo-espaço e matéria-energia e, a partir delas, o fenômeno do movimento. Em 1967, o artista afirmou não estar interessado nas conexões entre as coisas (como as cores ou as linhas), apenas em suas relações: “As relações valem mais do que as conexões (...) Meu trabalho é essencialmente relação. Não entre dois elementos da obra em si, mas entre o princípio que rege o trabalho – por exemplo, a desmaterialização – e uma lei geral do universo que determina tudo”.
Soto busca transformar matéria em energia por meio da vibração que desmaterializa o objeto de arte, algo que se tornou a característica mais evidente em sua obra: “O imaterial é a realidade sensível do universo. A arte é o conhecimento sensível do imaterial. Tomar consciência do imaterial no estado de estrutura pura é dar o passo final em direção ao absoluto”, afirmou em 1969.
Em 1955, o venezuelano Carlos Cruz-Diez (Caracas, 1923 – Paris, França, 2019) também se mudou temporariamente para a Europa. Buscando uma alternativa à pintura figurativa com conteúdo social, a partir dessa época já estudava as modificações na percepção da forma e da cor em função da luz. Queria retratar em suas telas as características fluidas da cor no espaço, sem forma. Para ele, suas Physichromies eram trabalhos sistematicamente programados. Contrapunha-se a Albers, dizendo que “poderia ter criado um único padrão ou design com infinitas variações para cada peça, tornando cada obra diferente ao mudar a cor de uma das linhas ou planos perpendiculares”, mas “queria dar a cada projeto uma identidade, uma característica que o definisse”. Por isso mesmo algumas Physichromies são curvas, enquanto outras “exploram um repertório de formas banais como o quadrado, o círculo, o triângulo, a elipse ou o polígono”, afirmou o artista em 2009.
Para Cruz-Diez, suas Cores Aditivas e as Induções Cromáticas propõem outra solução, que “integra a noção de tempo e espaço reais ao plano estático”. Surge “um acontecimento cromático que evolui continuamente com a movimentação do espectador e com a mudança da luz, em contradição com a natureza e os cânones do espaço pictórico tradicional”, disse ele em 2012. A linha, segundo o artista, não e? um elemento estético, e? o meio mais eficaz para “multiplicar as zonas críticas de visão entre dois planos de cor, com o objetivo de gerar gamas de cor novas e instáveis”.
O argentino Antonio Asis (Buenos Aires, 1932 – Paris, França, 2019) mudou-se em 1956 para Paris, onde conviveu com outros artistas cinéticos como Vasarely, Tinguely, Cruz-Diez e Soto. Dedicando-se a composições monocromáticas, estudava também as vibrações entre cores. Suas placas metálicas perfuradas, associadas a superfícies pintadas com composições geométricas, parecem alterar-se e se mover à medida que o espectador muda de posição.
Pelo resto da vida Asis dedicou-se à produção de obras únicas, de aparente rigidez geométrica e com aspecto de um ordenamento matemático, mas suas formas e cores dissolvem-se em vibrantes fenômenos óticos. Passou a usar suportes como papel, cartolina e madeira, com superfícies lisas que permitem um traço preciso e fino, embora a mão do artista e o traço do pincel ainda estejam visíveis quando a obra é observada de perto. Em mais de 6 décadas de trabalho Asis demonstrou a inesgotável riqueza dos temas abordados.
Abraham Palatnik (Natal, RN, 1928 – Rio de Janeiro, RJ, 2020) tem pontos em comum com o movimento neoconcreto, que buscava reagir contra o tom excessivamente racional dos concretistas brasileiros utilizando a experimentação e a recuperação do sensorial na arte, incluindo a participação do público. É patente o caráter lúdico nas suas obras, que, além de criar jogos cinéticos, brincam com a interação de volumes e sombras. Nos Relevos progressivos (a partir do final dos anos 1960), por exemplo, cortes na superfície do material criam camadas que variam, gerando uma dinâmica contida, que sugere movimento.
Ao realizar sua série W, Palatnik pintava telas abstratas que serviam como “modelo” para as pinturas. Num segundo estágio, fazia o corte das réguas com cores e formas próximas às dessas telas. Na etapa seguinte, trabalhava essas réguas “para frente e para trás”, ou seja: “eu faço os projetos, deixo amadurecer um pouco, e assim surgem as possibilidades de modificar uma coisa ou outra”, como afirmou em 2012. Analisando sua longa carreira, o artista declarou também: “Sempre estive associado ao movimento no espaço”.
Pieter Tjabbes