AI WEIWEI
Para entender Ai Weiwei, é preciso conhecer seu passado e suas origens. Seu pai – o poeta Ai Qing, um libertário e membro da Revolução Chinesa – caiu em desgraça na nova sociedade que se configurou e foi enviado, junto com sua família, para campos de trabalho na área rural da China, logo depois do nascimento de Ai Weiwei. A influência do pai em sua vida é imensa.
Uma das imagens mais fortes para o artista é a de quando Ai Qing decidiu queimar seus livros diante do filho, para evitar mais punições caso o regime viesse à sua casa – eram principalmente livros de arte e poesia. Pai e filho fizeram uma fogueira e, página por página, foram queimando os livros, como se se despedissem daquelas imagens e palavras. Um ato de profunda violência para um poeta e intelectual e, acredito, um ato fundador para seu filho, tanto como artista quanto ativista.
Uma maneira de ler as obras do artista chinês é compreendê-lo em seus múltiplos pontos de vista, como um intérprete das culturas chinesa e ocidental. Ele encontra maneiras de manter ambiguidades, expressando-se de forma explícita para um dos lados (seja o Ocidente ou o Oriente), e de forma velada para o outro. Exemplo disso são as fotografias e papéis de parede icônicos e massivamente reproduzidos de Finger [Dedo], que têm um significado muito direto na maioria das culturais ocidentais, mas são vazios de sentido para os chineses, para quem gestos ofensivos não são normalmente utilizados e para quem esse, em particular, tem menos significado. As imagens inaugurais de Ai Weiwei soltando o vaso da Dinastia Han são, para qualquer ocidental, imagens perturbadoras de desrespeito e uma atrocidade em relação à memória e à história. Para um chinês acostumado aos absurdos da Revolução Cultural, todavia, tal gesto não é tão chocante.
O convite para Ai Weiwei vir ao Brasil era também um convite para uma interpretação e para a realização de novos trabalhos. Nesse modelo, ele seria capaz de experimentar a cultura local e digeri-la a seu modo, e o Brasil teria a chance de entender e experimentar as modalidades e o processo criativo do artista. Por outro lado, nós nos tornamos mestres na arte de absorver e digerir à nossa maneira influências exteriores. O convite não foi para uma refeição cotidiana: foi para um banquete mutuofágico, em que se come e se é comido pelo outro, em que cada lado devora o outro – seu corpo, sua alma e sua energia.
Weiwei fez um firme gesto inicial ao tentar fundir a cultura, ele decidiu fundir em ferro a maior, mais antiga e ameaçada árvore ainda em pé no sul da Bahia. Apropriar esta árvore dentro de sua oeuvre é como capturar a espinha dorsal da consciência de nossa civilização—uma árvore que tem estado de pé por mais de 1200 anos viu a própria formação da nação.
Mas logo este processo começou a se tornar multidirecional. E nossas próprias questões começaram a ocupar sua mente. Nossa iconografia escravocrata, nossas injustiças sociais, nossa fé e códigos. Ai Weiwei começou a ser permeado pela latência da cultura brasileira: ele incorporou o Alfabeto Armorial de Ariano Suassuna em seus escritos; ele encontrou um modo irreverente de lidar com Ex-votos para expressar sua inquietação com a injustiça; ele foi levado pelo mundo natural e suas sementes; ele começou a busca pela conexão China-Brasil; ele foi desconcertado pelas condições de escravidão tanto no passado como no presente; Ele foi agora ocupado.
Este jogo é um grande modelo para promover o contato, o entendimento e para desafiar as noções pré-concebidas de ambos os lados. Com fricção, barulho, um território incerto a ser descoberto e uma combinação de temperos nunca antes combinados, produzindo um novo sabor para a arte de Ai Weiwei e para nossa cultura. E com a dor e o prazer de uma mordida dada e uma mordida recebida.