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Nas primeiras vezes em que visitei o estúdio da Maya Weishof no espaço de residências do Pivô¹, me chamou a atenção o manuseio obstinado que ela fazia de uma grande tesoura, vários lápis de cor e alguns pincéis. Era uma espécie de dança não coreografada e pouco inteligível para os que passavam pelos corredores da instituição, mas não para desenhos espalhados pelas bordas do ateliê-cubículo, que sabem sempre do que aquilo tudo se trata. 

Para Maya, alguns desenhos são premissas para pinturas outros são promessas abandonadas. Os traços rápidos em folhas de caderno convivem com pinturas em processo e com outras secando entre retalhos pisoteados e livros manchados.

Qual é a liga entre isso tudo? A fita adesiva logo perde a cola em meio à poeira do centro de São Paulo, embaralhando fragmentos de corpos, monstrinhos meio gente-meio planta, cabeças falantes e toda uma sorte de formas antropomórficas não identificadas. No trabalho de Maya Weishof nada gruda, mas tudo se entrelaça em um ritmo livre e frenético. De James Ensor a Peter Doig, do Patinho Feio às tradições judaicas, suas composições lisérgicas (mas não psicodélicas) adotam uma palheta peculiar, uma espécie de Sonia Delaunay subtropical que transita – elegante e irreverentemente – entre a escatologia e o erotismo; entre a alta costura e boca do lixo.

Outro curitibano, Paulo Leminski, escreveu:

 

Para que serve a pintura

a não ser quando apresenta

precisamente a procura

daquilo que mais aparente

quando ministra quarenta

enigmas vezes setenta?²

 

Eu sempre prefiro enigma à prova cabal. E para falar sobre a prática encaracolada de Maya Weishof, optamos por um exercício compartilhado, uma espécie de jogo de associação livre em que o desenho e a escrita se encontram em um lugar que para antes do argumento e da descrição objetiva. “Nunca houve isso, uma página em branco. No fundo todas gritam, pálidas de tanto”³, Leminski diz em outro poema. E o ponto de partida foi justamente esse: sobrepor repertórios, afetos, conversas pregressas e os novos compartilhamentos digitais que ocorreram diante da impossibilidade de visitar a artista e ver as pinturas de perto por conta da pandemia do Covid-19.

Ao longo dos últimos meses, Maya me enviou uma série de trabalhos que fazem parte da exposição Espelho Espanto na Galeria Simões de Assis. Optamos por falar de dez desenhos, os tratando como possíveis pontos de entrada para o seu universo peculiar, os tais desenhos-testemunha, que guardam assuntos picotados e se reconfiguram a todo momento.

Poucos dias antes da montagem da exposição, eu finalmente vi os trabalhos ao vivo. Foi a primeira vez em vários meses que estive diante das pinturas recém finalizadas. Enfim pude conversar com a artista sem nenhum tipo de mediação eletrônica e ver os desenhos sobre os quais escrevi. Voltei caminhando para casa com os olhos cheios das cores de Maya e deixei ali algumas palavras que carregava no bolso: seguimos habitando limiares e conversando sobre pintura.

 

Fernanda Brenner

 

_______

¹. Em 2019, Maya Weishof participou da residencia do Pivô Arte e Pesquisa em São Paulo.

². Leminski, Paulo. Sete Assuntos por Segundo in Toda Poesia. Companhia das Letras, 2013, p. 254.

³. Leminski, Paulo. Plena Pausa in Distraídos Venceremos. Companhia das Letras, 1987.

Povoar o tempo, 2020

Óleo sobre linho

200 x 135 cm

Estrias na barriga do rio, 2020

Óleo sobre linho

195 x 164 cm

A janta, 2020

Óleo sobre linho

200 x 150 cm

Os olhos que ele dizia estarem mortos, 2020

Óleo sobre linho

148 x 110 cm

Olhar para o próprio sol, 2020

Óleo sobre linho

87 x 62 cm

Fofoca, 2020

Óleo sobre linho

63 x 44 cm

Inferno tropical, 2020

Óleo sobre linho

211 x 246 cm

Hábito noturno, 2020

Óleo sobre linho

212 x 257 cm

Todo mundo viu, 2020

Óleo sobre linho

52 x 35 cm

Sem título, 2020

Grafite sobre papel

42 x 30 cm

Sem título, 2020

Grafite sobre papel

30 x 42 cm

Sem título, 2020

Grafite sobre papel

42 x 30 cm

Sem título, 2020

Grafite sobre papel

42 x 30 cm

Sem título, 2020

Grafite sobre papel

42 x 30 cm

X
ID: 12384
Povoar o tempo, 2020
Óleo sobre linho
200 x 135 cm





X
ID: 12458
Estrias na barriga do rio, 2020
Óleo sobre linho
195 x 164 cm





X
ID: 12450
A janta, 2020
Óleo sobre linho
200 x 150 cm





X
ID: 12416
Os olhos que ele dizia estarem mortos, 2020
Óleo sobre linho
148 x 110 cm





X
ID: 12451
Olhar para o próprio sol, 2020
Óleo sobre linho
87 x 62 cm





X
ID: 12449
Fofoca, 2020
Óleo sobre linho
63 x 44 cm





X
ID: 12470
Inferno tropical, 2020
Óleo sobre linho
211 x 246 cm





X
ID: 12452
Hábito noturno, 2020
Óleo sobre linho
212 x 257 cm





X
ID: 12494
Todo mundo viu, 2020
Óleo sobre linho
52 x 35 cm





X
ID: 12467
Sem título, 2020
Grafite sobre papel
42 x 30 cm

Lápis apontados.

Pontas agudas talhadas com um estilete enquanto pensa na administração de manchas úmidas.

- Não ter que escolher cores as vezes é um alento, Miriam Cahn disse em uma entrevista.

A linha leve e firme ganha espessura no primeiro plano. O diabo sacana. Alguns fragmentos de corpos nus e um fauno de olhar perdido: a linha vai aonde quer. O desenho começa com uma urgência e termina quando a cabeça muda de assunto ou voando pela janela do estúdio, mantida sempre aberta para dissipar o cheiro de terebentina.

- O inferno está cheio de
lápis apontados.





X
ID: 12460
Sem título, 2020
Grafite sobre papel
30 x 42 cm

sauna / teletransporte.

No Japão é proibido entrar nos
banhos públicos com roupas de banho e tatuagens.
Um corpo tatuado nunca fica nu.
Japoneses tatuados são da máfia Yakuza.
Em Tokyo existe tudo do mundo inteiro, menos lojas de tatuagem.

A maior sauna gay do mundo é no largo do Arouche, em São Paulo.
Mulheres são proibidas de entrar lá, mas as tatuagens são liberadas.





X
ID: 12461
Sem título, 2020
Grafite sobre papel
42 x 30 cm

Hoje em dia ver tornozelos e
panturrilhas em carne e osso é
privilégio de quem vive junto.

Coreografia mais ou menos
ensaiada - a vida dentro de um
retângulo. Zoom.

Trisha Brown desenhava com os pés. Segurar o lápis firmemente entre os dedos requer força e flexibilidade. Se eu mexer esse dedinho a linha vai nesta ou naquela direção, um calcanhar mal gerido coloca tudo a perder.

Composição equilibrada, dizem.

O desenho de um corpo que dança ou um corpo que dança um
desenho?





X
ID: 12469
Sem título, 2020
Grafite sobre papel
42 x 30 cm

Desavenças da sala de jantar.
Jogo de desarmar falsas urgências

Uma tia gosta de usar uma pêra na cabeça e colares de Murano. A outra cansou de reclamar; deixa o moleque ir pra longe. Quem sabe ele volta falando mandarim (hoje em dia dizem que é muito importante)

Talking heads em contra-plogeé





X
ID: 12466
Sem título, 2020
Grafite sobre papel
42 x 30 cm

Criar raízes.
Velar um corpo aleatório
no cemitério do bairro vizinho.
Indigentes. Errantes. Desenterrados.

Judeus colocam uma pedra
sobre as lápides de seus entes queridos. Um seixo cinza pra dizer: eu estive aqui.
As pedras rolam pra outro canto mas a presença não.

Seguiremos cada um por si, porque já ficou tarde.

“We may not have a home
to call our own
but we’re gonna make it”
(Fred Moten).





X


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