Repetición Diferencia
Repetir repetir — até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo
Manoel de Barros
O livro das ignorãças
Há muitas similaridades entre o campo da arte e o campo da ciência. Artistas e cientistas são pesquisadores, curiosos em descobrir novos meios, métodos, materiais e procedimentos. Parecem-se também os laboratórios e ateliês, espaços dedicados ora ocupados solitariamente, ora por equipes em produções coletivas. Mas há uma diferença radical em seus processos: uma das principais premissas do método científico estabelece que um experimento, realizado diversas vezes sob as mesmas condições, deve sempre levar ao mesmo resultado. Contudo, no campo da arte, este é um postulado que jamais se sustentaria. É pela repetição, frequentemente em condições similares – no mesmo ateliê, com os mesmos materiais –, que artistas encontram novos caminhos visuais e conceituais em suas investigações. Se, na ciência, a repetição leva à confirmação de uma hipótese, na arte ela leva à inovação.
O trabalho de Gabriel de la Mora é, talvez, um dos maiores exemplos das infinitas possibilidades que um mesmo procedimento artístico pode suscitar. Desde meados dos anos 1990, o artista emprega materiais inusuais, carregados de simbologia, para criar trabalhos que operam visualmente dentro de categorias tradicionais como desenho ou pintura, porém afastando-se totalmente das formas esperadas para esses suportes. De fios de cabelo a penas de pássaro, de reboco de paredes a cédulas de dinheiro, de rabiscos apagados aos fiapos da borracha usada para apagar o desenho no papel, de solas de sapato furadas a caixas de som descartadas, tudo está sujeito ao gesto de apropriação e transformação do artista.
No ateliê, os procedimentos são estabelecidos e repetidos sistematicamente. Cada tipo de material é fragmentado e depois separado por cor, tamanho, qualidade, peso e formato. Esses fragmentos são manipulados de forma a seguir desenhos e esboços que singularizam cada composição. Os assistentes do estúdio fazem uso de contadores manuais na produção das obras, registrando a quantidade de fragmentos de cada peça, geralmente informada no título dos trabalhos.
Na série “Entre lo que reflejo y veo”, enfeites de natal quebrados são ressignificados em superfícies estilhaçadas, com cada caco de vidro refletindo o espaço, os objetos e as pessoas diante da obra. As formas côncavas e convexas distorcem os reflexos, invertendo-os ou esticando-os, e a imagem espelhada repetida quase infinitamente gera oscilações de percepção de profundidade e movimento. Inicialmente lidos como monocromáticos, esses trabalhos são de fato camaleônicos, assumindo as cores do entorno em sua própria reflexão; similares entre si, são únicos em suas proporções, ritmos e desenhos.
Gabriel de la Mora também lança mão frequentemente de materiais orgânicos, tomando a natureza como uma espécie de colaboradora de sua obra. Operando dentro da mesma lógica dos cacos de vidro, mas com resultados completamente distintos, a série “CaCO3”, por exemplo, é criada a partir do uso de cascas de ovos de diferentes espécies. As lascas são separadas por cor, em uma lógica que segue a da pintura. Sua colocação minuciosa sobre o suporte não deixa lugar para áreas vazias e nem aceita sobreposições, em um jogo de quebra-cabeças de imperfeita precisão. À primeira vista simples e monocromáticas, essas obras são intrincadas ao extremo, revelando uma infinidade de tons de branco que a própria natureza produz.
E assim como nas cascas de ovo, tudo aquilo que vem da natureza e se repete é igual, mas diferente. As penas de aves são um material recorrente na prática do artista desde 2018. Cortando pequenas áreas das plumas e pintando-as de cores sólidas, ele cria composições como mosaicos, regulares em sua secção, mas irregulares pela estrutura e superfície das penas. Já os padrões geométricos de asas de borboleta (compradas de diversos projetos de conservação de espécies do inseto que estão ameaçadas de extinção) tem variações milimétricas entre si, mesmo lidas integralmente como idênticas. De la Mora não apenas se apropria das asas, mas as manipula, ora criando retículas mais geométricas, ora estampas que seguem os desenhos das asas, de apenas um ou de ambos os lados (evocando olhos ou camuflagens de folhas e troncos).
Por fim, mas não menos importante, há os trabalhos usando rocha obsidiana, um material que resulta do resfriamento rápido de magma vulcânico – também aqui a natureza agindo como co-autora. Essas obras demandam um cuidado técnico especialmente caro a de la Mora. Finas lascas da pedra são quebradas e polidas ou esmerilhadas, levando a texturas opacas ou reflexivas, e suas combinações na superfície dos trabalhos criam áreas de profundidade e volume. Mas há também um aspecto místico nestas obras. O uso da obsidiana é marcado pela carga simbólica associada à rocha vulcânica – há quem diga que ela repele a negatividade, enquanto outros a consideram a pedra da justiça, sendo muito usada em meditações ou terapias alternativas. O mineral é bastante comum no México, onde seu uso (ritualístico, como material de troca, e até como ferramenta e arma) data de 600 d.C. Toda essa bagagem histórica e alegórica é reverberada na adoção deste elemento recentemente adicionado ao rol de materiais que são apropriados pelo artista em sua prática incansável de repetir para fazer diferente.
Julia Lima