Jean-Michel Othoniel: Sob outro sol
Em sua primeira exposição individual no Brasil, Jean-Michel Othoniel (Saint-Etiénne, França, 1964) exibe uma ampla gama de trabalhos que não podem ser confinados a nenhuma categoria, mas que também não compõem uma retrospectiva. O que o artista aspira é prover uma visão global de seu trabalho multifacetado. O título Sob outro Sol está tanto ligado às obras muito luminosas que apresenta – entre elas, suas pinturas de flores da paixão que vê como sóis –, mas também à sua chegada a um novo hemisfério, que o obriga, assim como o público brasileiro, a ter uma nova perspectiva, a aproximar-se de novos sóis.
Confiar nas obras para acessar o maravilhoso
Desde o início, em 1988, ano em que os seus trabalhos de estudante – Insuccès photographiques (“Fracassos fotográficos”) – foram expostos no Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris com “placas fotossensíveis”, já estavam lançados os dados de uma obra “à parte”. Desde então, Othoniel tem utilizado materiais muito variados – enxofre, vidro, tintas diversas... –, geralmente em total harmonia com os locais fora dos museus para onde também é frequentemente convidado a intervir – como na Catedral de Angoulême, no Palácio Ideal do Facteur Cheval, em jardins botânicos do Brooklyn, no jardim de Versalhes… Este pequeno príncipe saint-exuperiano, imortal da Academia Francesa de Belas Artes, nascido em 1964 em Saint-Etiénne, nunca hesitou em assumir o seu apetite pela beleza.
Sem se fechar em uma categoria
“Os materiais são uma das chaves para a leitura dos meus trabalhos, são a parte visível do iceberg; a sequência de significados também se faz por meio de palavras, textos, obsessões, coisas não ditas, encontros, perdas…” declarou por ocasião de sua retrospectiva My Way, no Centre Pompidou, em 2011. Jean-Michel Othoniel está frequentemente onde você menos espera. Gosta de ser singular e não renega seus diálogos com o passado. Amante da arte antiga, da poesia clássica e ainda dos jardins, para ele a ideia de beleza não está necessariamente ultrapassada. “Beleza é o que precisamos para nos reconstruir. Isso leva à contemplação. Em muitas outras civilizações, asiáticas, por exemplo, a beleza não é culpada”, ele afirma. A ideia de encantamento e admiração é o que o artista colocou no centro de sua exposição na Galeria Simões de Assis, e suas transgressões estéticas sempre levam a uma forma de reencantamento.
Contas de vidro com significados variados
A sua “invenção” do vidro, que hoje faz parte da sua marca registrada, decorre da sua visita a Murano, quando era residente na Villa Medici, em Roma. Desde então, o público pode ver seus colares de contas em lugares como o Grande Canal de Veneza na Coleção Peggy Guggenheim; a Collection Pinault no Palazzo Grassi; o Kiosque des Noctambules, em Paris; ou nas fontes de Versalhes. Esses colares podem também ser encontrados como obras mínimas, múltiplas e comprometidas, que começaram a ser distribuídas logo após a morte de seu amigo, o grande artista cubano-americano Félix Gonzalez-Torres (1957-1996). São os Colares de cicatrizes, feitos de pequenas contas vermelhas, que Jean-Michel carrega sempre consigo e que distribui à sua volta. Vários colares fazem parte da exposição Sob outro sol – embora a galeria já houvesse apresentado, em junho de 2021, três de seus móbiles em vidro na exposição coletiva Metamorfose – Sublimação e Transmutação.
Um convite a sonhar
“A obra de Félix Gonzalez-Torres marcou uma mudança. Ele foi um dos primeiros a fazer a ligação entre o minimalismo herdado dos anos 70 e a beleza, a beleza exuberante dos anos 90. Eu sou muito grato a ele por ter me apontado esse caminho. Ele tinha também a generosidade de ofertar as suas obras aos visitantes de suas exposições, e foi em homenagem a este gesto que eu criei mil e um colares que distribuí durante a exposição que foi realizada em sua memória, e da qual eu participei”, nos conta este prosélito, sempre gentil e discreto. Othoniel é dono de uma personalidade que sabe nos fazer sonhar, como quando nos conta lendas, como a do deus Indra, cujo colar, ao explodir, criou as estrelas.
Um artista em perpétua experimentação
Em 2011, no Centre Pompidou, na exposição My Way, Jean-Michel Othoniel propunha uma travessia retrospectiva que mostrava diferentes etapas: desde 1987, entre suas pesquisas e experiências, assim como a sua descoberta do vidro. Ele explorou a fronteira entre o mundo orgânico e o mundo natural e questionava os limites de gênero. Dez anos depois, a ambiciosa exposição Théorème de Narcisse, no Petit Palais, em Paris, nos permitiu novamente avaliar a magnitude do universo de seu trabalho. Diferentemente do que havia feito em 2020, no Louvre – quando, inspirado pela rosa pintada por Rubens no quadro O Casamento de Maria de Médici e Henrique IV (1621-1625), havia convidado os visitantes a um passeio onírico, lançando-os no mundo da linguagem secreta das flores e seus simbolismos –, as obras que foram exibidas no Petit Palais eram, desta vez, um diálogo com a arquitetura e seu jardim. Com sutileza, suas contas douradas foram assim adaptadas à escala e à fragilidade das árvores.
Mensagens cruzadas
Ficou gravada na memória daqueles que tiveram o privilégio de ver as escadas de acesso ao Petit Palais com o seu incrível tapete de tijolos de vidro azuis. Era como se fosse um rio que, como uma promessa de felicidade, fluía em direção de um grande jardim do Éden. Esses tijolos azuis, que estavam também na sala de exposições do térreo, em forma seja de tapete, seja de altares, foram, para o artista, um manual para sair da crise. O título Precious Stone Wall foi escolhido em homenagem à revolta da comunidade homossexual que aconteceu em 1969, em Nova York, contra a violência policial, e a exposição Sob outro Sol apresenta um exemplar desses tijolos. Para Jean-Michel Othoniel, o tijolo é também o material dos pobres na Índia e que encontramos ao longo das estradas. Ele os vê como a esperança do sonho humano de construir a sua própria casa. No Petit Palais, esses tijolos eram frágeis e refletivos. Eles são um sonho em forma de tijolo. Alguns são apresentados na Galeria Simões de Assis como Wonder Block (2023) e Oracle (2023).
Um artista policéfalo
Sonhador, sem dúvida; poeta, certamente; mas também com as mãos na massa. Através do vidro, um artista policéfalo de grande coração, com o brilho de felicidade que quer compartilhar: “Chegando a assumir a minha vida, as obras seguiram o meu percurso de liberação e da reconquista da felicidade: elas são agora mais autônomas e livres”. Sob outro Sol é, para o artista, uma maneira de se questionar, e de se pôr sob o sol do hemisfério brasileiro.
Marc Pottier