Antes propriamente da percepção de que seria um artista, Macaparana já o era. Na tenra infância se prontificava de maneira muito solícita a restaurar a pintura das barracas das festas populares, presentes no parque do Seu Estêvão. Acompanhava atento a reunião familiar com o pintor de parede para a discussão das cores das fachadas antes das festividades. Usava o giz para rechear os cadernos com desenhos, linhas e projetos – poética prolífica que permanece até hoje.
Macaparana iniciou sua trajetória atravessado pela paisagem nordestina, da aridez se nutriu das cores terrosas, adicionando toques surrealistas a territórios realizados em guache na década de 1970. Para um olhar atento, a geometria já estava nas construções, era parte compositiva da figuração. Quando sua poética se orientou à incursão de blocos de cor e uma abordagem mais inexoravelmente geométrica, não houve espanto, eram complementares, estavam presentes em seu imaginário desde as platibandas e barracas populares. A geometria era seu universo imagético e tornou-se seu viver matérico, notas de uma mesma partitura, a mesma investigação plástica.
A música, antes de tornar-se matéria, é composta por um sistema modular do pensamento humano, assim como a arte. Uma partitura musical é um registro gráfico, os sons são traduzidos em símbolos visuais, sejam notas, pausas ou compassos. A poética de Macaparana aproxima-se de uma partitura: são símbolos visuais que não traduzem vibrações sonoras, mas suspendem o tempo; são delineados em linhas, círculos, quadrados, retângulos e mais, em formas geométricas inventadas, projetando uma composição visual ritmada.
O artista parte da unidade básica que é o ponto preciso, este se torna um conjunto infinito de pontos alinhados em uma reta ou em um círculo. O ponto marca o espaço. A geometria analítica, porém, é apenas tangenciada; sua geometria não é enrijecida, é deveras cadenciada. Ele se entende como um dadaísta, operando em uma poética que permite a experimentação que se mistura com a arquitetura, com a musicalidade, com a produção escultórica em macro e micro dimensões, como na elaboração de jóias. Paradoxalmente, seu traço firme é também solto e inventivo, de modo que o desenho se expande ao espaço e as esculturas demonstram o interesse na forma e na interação da luz com a matéria.
O desenho e o papel são fundamentais como ponto de partida, são suporte e prolongamento para amplificar o ponto e a reta, em que a linha ecoa no espaço e retorna ao papel, em um eterno ciclo da linha que vai sendo puxada, assim como o fez Ariadne de Creta, filha de Minos, quando entregou a Teseu, momentos antes de sua entrada no labirinto do Minotauro, um novelo de lã para que ele conseguisse encontrar o caminho de volta. O fio de Ariadne evoca a orientação e o método que conduz o caminho e permite navegar o labirinto do caos. A linha, o fio, é a todo tempo elemento visual, método e poética.
Macaparana, em sua destreza e variedade técnica, utiliza pigmentos misturados à tinta acrílica, projetando cores preparadas e singulares, com uma fatura aveludada. Há um certo eco de Paul Cézanne, particularmente no que se refere à ânsia de não ser categorizado, marcada pelo desejo de não precisar escolher entre sensação e pensamento. Maurice Merleau-Ponty, em um de seus ensaios, devaneia sobre Cézanne e sua dúvida, sugerindo que o contorno dos objetos, assim como a linha que os delimita, não pertenceriam ao mundo visível, mas sim à geometria. Uma maçã, ao ser traçada, já se faz dela uma coisa e, no entanto, não é senão o limite ideal ao qual os lados da maçã correm em profundidade, haja vista que sem contorno ela não seria uma maçã e, portanto, perderia sua identidade. Marcar apenas um seria sacrificar a profundidade, isto é, a dimensão que nos dá a coisa per se, não estirada diante de nós, mas repleta de reservas, permitindo uma realidade inesgotável.
A essência de Macaparana está na experimentação permitida pela técnica e pela poética de seu olhar tão versado; está na ordem espontânea das coisas percebidas, de estar no entre bi- e tridimensional. Na mostra, há trabalhos inéditos sobre linho misto com algodão, nos quais o que é pintado se torna um volume sobre o vazio – uma amplidão que não está encarnada, demonstrando a destreza do gesto. Outra série que evidencia a abrangência do artista são os móbiles, esculturas suspensas que permitem uma avistada integral da materialidade, que em todas as suas facetas irrompe o grid para o espaço.
A volumetria de Macaparana está permeada entre linguagens diversas, no papel, na tela, no cartão, no aço e na madeira. Diante de uma pesquisa já tão investigada na história da arte, entre geometrias e abstrações, é reconhecível seu gesto feitor e ele se apropria e entende o ato libertador de trabalhar em um campo que lhe permite navegar. Qualquer categoria estanque lhe é insuficiente, o que está concebido no espaço expográfico é o reflexo de uma trajetória de seis décadas, de uma fascinante trama geométrica macapariana, um ato hermenêutico de radicalidade em continuar encontrando encanto no ato criador.
Mariane Beline

