Sob a névoa de uma tela, um ambiente turvo reserva um jogo de esconde-esconde entre formas de vida pertencentes aos reinos Animalia, Plantae, Fungi e Archaea. Tal interação é conduzida por uma condição intimamente ligada à natureza material da pintura, executada com uma mistura de óleo, cera de abelha e linhaça sobre uma tela de preparação gorda. Como resultado, composições oscilam entre a liberdade oferecida por essa mistura de ingredientes e os movimentos incisivos, embora delicados, feitos com uma espátula que captura seus rastros. É nessa qualidade cintilante que as espécies vivas representadas pela artista Mika Takahashi (n. 1988, São Paulo, Brasil) formam laços, criam conexões e se metamorfoseiam no desconhecido. Ocasionalmente, surgem em uma forma mais estável, fitando o espectador através do nevoeiro.   

Refletem-se nesse equilíbrio da condição da forma dois pólos da obra de Mika Takahashi. O primeiro recorre a uma formação mais clássica: pré-impressionistas e impressionistas como Claude Monet (1840–1926) e o expatriado americano John Singer Sargent (1856–1925) foram influências capitais em seu desenvolvimento — algo que se torna evidente quando percebemos que, para a artista, a materialidade da pintura é tão ou mais importante quanto seu tema. Por outro lado, tradições artísticas do Japão informam grande parte do trabalho de Takahashi, constituindo o segundo polo que extrapola a pura referência visual, conectando-a também à sua herança cultural. Nomes como Ito Jakuchu (1716–1800), pintor fundamental do período Edo médio particularmente interessado na flora e na fauna, e pintores oficiais do mesmo período forjam uma forte conexão com o conjunto de pinturas no que tange à cor e à construção do movimento.   

Contudo, é impossível considerar a abordagem de Takahashi sem destacar seu método de pintura a óleo, derivado do sumiê. Introduzida no Japão por monges budistas durante o século XIV, essa técnica estende a caligrafia por meio de traços suaves em uma economia gestual. Ao substituir o nanquim pela tinta a óleo, a artista desenvolve trabalhos que sobrepõem pinceladas de forma intuitiva. Os encontros entre camadas de cor revelam imagens solúveis, por vezes disformes, conferindo uma qualidade onírica a composições saturadas. Na exposição, vemos essa técnica aplicada tanto em algodão quanto em linho, cada qual produzindo resultados distintos: o primeiro combina uma qualidade aquosa da pintura para criar uma composição densa, ao passo que o segundo explora a textura mais rugosa do suporte e o seu surgimento por entre as partes mais claras a fim de ampliar o senso de profundidade — evocando, assim, a tradição das paisagens japonesas.   

Assumindo um interesse majoritariamente não figurativo em seus temas (ainda que figuras façam aparições ocasionais), as pinturas de Takahashi surgem do desejo de exercitar uma alteridade radical. Obras como Filogenia e Colonia dialogam com interpretações científicas sobre o surgimento, a transformação, a interação e a organização de várias espécies — e refletem sobre como a agência humana tentou organizar e categorizar o não-humano. Outros títulos como Apis mellifera, Vespidae e Noctiluca referem-se diretamente a grupos de células, animais, fungos e algas. Embora os títulos em latim aludam ao olhar humano sob uma perspectiva científica e ao esforço humano de nomear cada coisa na Terra, a postura de Takahashi está menos preocupada com a taxonomia do que em se mover em direção a uma abordagem participativa sobre como diferentes modos de ser podem promover novas formas de perceber o mundo. Partindo frequentemente de colagens digitais e imagens sobrepostas, suas composições finais resultam da dissolução do registro natural, alcançando um estado quimérico que explora os laços e conflitos estabelecidos entre os reinos vivos e seus ambientes.

De suas raízes na ciência, as pinturas metamorfoseiam-se em ficção científica. Aprofundando-se em reflexões sobre natureza e espiritualidade, Takahashi evoca os contos de Izanagi e sua esposa, Izanami: duas divindades que desempenham um papel crucial na cosmogonia do xintoísmo japonês. Antes que essas divindades se dedicassem a solidificar e moldar o mundo, narram os japoneses que o cosmos era feito unicamente de água salgada. Usando uma lança para agitar o vasto oceano, o casal divino provocou a emergência da primeira ilha, Onogoro, bem como de várias outras que compõem o arquipélago japonês, trazendo à superfície tudo o que estava submerso. Nas obras aqui apresentadas, em que o domínio técnico da tinta dissolvida é fusionado a uma compreensão da manipulação densidade da tinta a óleo, há uma oscilação na dinâmica Yin–Yang, dualidade típica de sua obra: vida, natureza e paisagem são convocadas pela palavra; contudo, Takahashi as submerge de volta na turbidez de suas pinceladas, envolvendo-as em um ambiente subaquático. No reflexo turvo deste meio, as formas convidam o espectador a fazê-las reaparecer na superfície pelo ato da imaginação.   

Noctiluca oferece uma jornada pela obra de Takahashi ao agrupar as séries em algodão e linho, dando ao espectador a chance de apreciar a qualidade aquosa da primeira, pesada e colorida, ao lado do aspecto aéreo da segunda, mais leve e econômica. Esse contraste, por sorte ou encanto, também ecoa a condição elementar de Izanagi e Izanami diante do mundo, que encaram o mundo e pinçam a vida de cima – curiosamente, a mesma orientação em que Mika se debruça sobre suas telas. Aqui, o tempo tem uma maneira inconstante e elusiva de se apresentar: lentidão e velocidade coexistem no mesmo ambiente, refletindo uma partitura orquestrada da vida que transcende a experiência humana.

 

Lucas Albuquerque

Colonia, 2025

óleo sobre tela 

30 x 40 cm 

Noctuidae, 2025

óleo sobre tela

27 x 35 cm 

Vespidae, 2025

óleo sobre tela 

27 x 35 cm

Apis mellifera, 2025

óleo sobre tela 

27 x 35 cm 

Polifonia, 2025

nanquim sobre papel washi 

20 x 235 x 13 cm

Polifonia, 2025

nanquim sobre papel washi 

ink on washi papel

20 x 235 x 13 cm 

7,9 x 92,5 x 5,1 in

Izanami e Izanagi, 2025

óleo sobre tela e biombo de madeira 

175 x 75 x 8 cm

Spores, 2025

óleo sobre tela 

120 x 95 cm 

Noctiluca, 2025

óleo sobre tela 

95 x 120 cm 

Tangência, 2025

óleo sobre tela 

40 x 30 cm 

Filogenia, 2025

óleo sobre tela 

190 x 160 cm 

Confluência, 2025

óleo sobre tela 

40 x 30 cm 

X
ID: 20
Colonia, 2025
óleo sobre tela 
30 x 40 cm 





X
ID: 21
Noctuidae, 2025
óleo sobre tela
27 x 35 cm 





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ID: 22
Vespidae, 2025
óleo sobre tela 
27 x 35 cm





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ID: 23
Apis mellifera, 2025
óleo sobre tela 
27 x 35 cm 





X
ID: 24
Polifonia, 2025
nanquim sobre papel washi 
20 x 235 x 13 cm

Polifonia, 2025

nanquim sobre papel washi 

ink on washi papel

20 x 235 x 13 cm 

7,9 x 92,5 x 5,1 in






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ID: 25
Izanami e Izanagi, 2025
óleo sobre tela e biombo de madeira 
175 x 75 x 8 cm





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ID: 26
Spores, 2025
óleo sobre tela 
120 x 95 cm 





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ID: 27
Noctiluca, 2025
óleo sobre tela 
95 x 120 cm 





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ID: 28
Tangência, 2025
óleo sobre tela 
40 x 30 cm 





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ID: 29
Filogenia, 2025
óleo sobre tela 
190 x 160 cm 





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ID: 30
Confluência, 2025
óleo sobre tela 
40 x 30 cm 





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