Como se constroem abrigos físicos para as ideias? Como tornar matérias invisíveis em algo palpável, sem se restringir à representação, mantendo suas complexas dinâmicas espaciais e temporais? O trabalho de Tony Camargo sempre envolveu a construção de aparelhos que de alguma maneira desvendam o funcionamento do mundo, apreendendo essas descobertas de real num espaço determinado, entre linhas e planos. O seu laboratório de fenômenos se constitui pelos próprios materiais e conceitos envolvidos. Ao lidar com a pintura, entretanto, surgem problemas incalculáveis, como criar um abrigo físico para a cor, em sua energética ambivalente de onda e partícula.
Seu trabalho nos mostra o quanto ainda somos primitivos, mesmo em nossos mais avançados processos tecnológicos. Os poucos elementos formais que temos à disposição são combinados infinitas vezes por projetistas, produzindo todas as coisas de nossa paisagem humana. Olhe ao redor: verá execuções de círculos ovais em maçanetas e sistemas de portas, quadrados, retângulos e suas metades triangulares nas paredes e nos telhados, distâncias formadas por linhas nas ruas, nos mapas e tantas outras formas que estruturam nossa sociedade. Diferentes materiais formando todos os sistemas artificias da vida. Por desbravar os interiores das máquinas, em seus funcionamentos e matérias, como tintas automotivas, conhecidas como laca nitrocelulose, além de verniz poliuretano e outras sobre pesadas chapas de MDF, Tony Camargo alcança um poder de síntese estrutural sobre os recursos que temos disponíveis, assim como já havia alcançado outras sínteses em trabalhos anteriores, reduzindo imagens de massa plenamente virtuais e midiáticas com suas Planopinturas Iconográficas.
As suas Novas Planopinturas operam por uma matemática sideral, paisagens formadas por elementos reduzidos a suas formas originárias de conceito - quadrados, retângulos, círculos, semicírculos ovais, indicativos de movimentos, obtendo um cálculo capaz de suspender o fenômeno pintura em pleno acontecimento. Tony faz uma redução do mundo, e põe seu funcionamento em estado de inércia, vibrátil e estático. As atmosferas conquistadas por esses trabalhos mantém um corpo que vibra sem cessar. Como se campos de cor ganhassem um corpo para se presentificar diante do nosso olhar. Ao invés de movimentos efêmeros, a cor tomada por um estado de inércia, permanente em seu movimento.
As cores se encontram presas em superfícies estáticas, entre linhas e planos, mas como a cor é uma onda e partícula energética, ela continua a vibrar, mesmo estando presa. Um aparelho improvável: suspende a duração do tempo tradicional e o põe em inércia ao mesmo tempo em que nos dá um referencial para acompanhar esse movimento. Tony reúne a ideia de campos de cor vibrando a matéria em formas originárias e absolutas, síntese dos sistemas complexos da própria arte e tecnologia. É como se depois de anos desvendando o funcionamento das imagens, Tony se propusesse a reproduzir uma energética a partir da apreensão da cor em campos delimitados, nesse caso a pintura em sua esfera planar.
Os trabalhos recentes põem alguns outros termos numa clareza espantosa: ao mesmo tempo em que Tony aplica sua pincelada na tela, através de pistolas de compressão a ar, ele as apaga, não deixando qualquer rastro ou vestígio, além da própria matéria pictórica dispersa sobre a tela. Um dos pilares para o reconhecimento de uma pintura – a pincelada e seu estilo decorrente – simplesmente desaparece no mesmo momento em que é executada, somando um estado de suspensão da pintura ao estado de inércia da cor.
A repetição das suas figuras, duplicadas, sejam como anteparos transparentes do espaço moderno (podemos ver máscaras, brancas ou negras) ou como janelas opacas do espaço naturalista (suas paisagens constroem diferentes atmosferas dentro de outras atmosferas) reforçam a ideia de que seus cálculos poderiam ser repetidos indefinidamente, como quando a arquitetura vai descobrindo cientificamente o uso de formas nos espaços e as implicações dessas formas, distâncias e materiais em movimentos e tendências.
O encontro de Tony com a arte é também um encontro de atmosferas intangíveis com a realidade da matéria. Nesse ponto poderíamos dizer que seu trabalho é o de um artista conceitual, enquanto cientista do conceito, que descobre a cada realização as dependências da matéria. Em síntese, essas Novas Planopinturas mantém a vibração energética das cores em suspensão estrutural ao mesmo tempo em que as apresentam como matéria. Mais do que isso, a matéria que as sustenta responde à sua própria arquitetura, entre o vazio tátil e a plenitude sideral.
Arthur do Carmo
fev./2016