Não se pode falar de pintura egípcia, sem que se mencione seu sistema. Nele não existiam estilos pessoais; tampouco sutilezas ou evidências de um sujeito-artista que quisesse deixar no mundo suas marcas pessoais. A lei da frontalidade estabelecia padrões de representação espacial tanto de figuras humanas, animais, plantas e objetos, estritamente respeitados por todos os pintores.
A pintura renascentista, em que surgiram os primeiros estilos individuais, também possuía um sistema baseado na perspectiva do sombreado. O respeito às características planares objetivas da tela pela arte moderna foi o último sistema de pintura minimamente fundamentado a surgir antes da emergência da produção contemporânea.
Tal ausência de sistemas de pintura, atualmente, não favoreceu a produção de um sentido comum (de fundo) que salvaguardasse o arbítrio das diferentes expressões individuais hoje em curso na produção artística. O pintor agora deve inventar seu próprio sistema e torna-lo visível ao olhar público. Esse é o desafio maior não só da pintura, como também da produção contemporânea.
Dentre os jovens pintores do país Rafael Alonso é um dos que melhor compreenderam a necessidade de produzir e fazer ver suas pinturas a partir de um sistema. Rafael tornou-se conhecido ao pintar sobre quadros de cantos arredondados faixas idênticas às produzidas com fita adesiva marrom para embalagem usada pelos vendedores de bebidas para proteger a tampa do isopor de pancadas.
Entre a pintura e o isopor Alonso estabeleceu relações tanto pictóricas (a pincelada que corre horizontal, num gesto manual, mas mecânico, o teor planar da tela e do isopor) quanto semânticas (a relação entre sua pintura – aparentemente abstrata – e situações pictóricas evocadas por objetos reais planos como telas. Nessa transmutação de telas reais com que convivemos diariamente e as pinturas do artista encontra-se o fundamento de seu sistema pictórico.
Não há dúvida que Rafael pinta o nosso mundo. Mas não o abstrai como os modernistas o fizeram (já que seus referentes reais se insinuam na configuração das pinturas), nem o representa, tal como os clássicos. Ele faz migrar pela pintura, de modo ilusionista, fragmentos da dimensão planar do cotidiano, para o quadro.
As pinturas que Alonso agora apresenta, trabalhadas no último ano e meio, são, conforme suas próprias palavras, “uma tentativa de produzir uma pintura que se relacione com os objetos do design que me cercam, mais especificamente computadores, monitores de TV, tablets. Objetos que hoje mais do que em qualquer outro momento servem como mediadores das imagens, de nosso contato com o mundo.”
São, portanto, imagens planas, de objetos planos (mediadores de imagens), feitas manualmente. Trata-se do mesmo sistema de ocupação espacial utilizado nas pinturas das fitas adesivas aplicadas sobre isopores de ambulantes.
Seus trabalhos recentes, no entanto, não mais evocam o Brasil precário, mas aquele globalizado pela tecnologia. Rafael Alonso investiga sua configuração mais frequente na vida diária – tabuletas, tablets - com múltiplas e coincidentes funções que povoam-na de luzes. Sua transposição às pinturas consiste na mais recente manifestação do sistema por ele inventado.
Fernando Cocchiarale