Tiago Tebet é um artista dinâmico como seus trabalhos. O processo de execução da obra, que para tantos configura apenas um meio para um fim, ganha em seu exercício diário, traços de sua própria concepção. Isso garante duas vantagens a seu resultado: imprevisibilidade e espontaneidade. A primeira permite que a obra revele qualidades e conexões ocultas, inclusive aos olhos do artista, observador e crítico de seu próprio trabalho; a segunda faz com que estética e estilo sejam não mais elementos limitadores, mas paradigmas a serem seguidos e facilmente quebrados.
O trabalho muda rapidamente dessa forma, e é por meio de um exercício de construção e frustração que o valor da obra de Tebet se mostra. Sem intenção de teorizar, Tebet explora seus materiais a partir de ideias que geram conexões forçadas entre seus elementos. Suas obras ganham força na composição e na aproximação com outras. As diferentes formas, materiais e estilos seguidos não dialogariam entre si não fosse essa a intenção do artista. Desse encontro, a ideia inicial se desdobra para os olhos do espectador com múltiplas possibilidades. O discurso então se torna coletivo, e o significado não mais existe em caráter único. Essa é a razão da predileção de Tebet por formas geométricas, abstratas e oticamente assimiláveis: o universo de significados que a simplicidade dessas formas confere dá ao espectador permissão para desdobrar suas próprias interpretações.
Tome como exemplo a série Constelações do Mato: nela, Tebet cria quatro constelações a partir de polígonos sobre uma tela. Na criação de suas próprias constelações, ele discute a demarcação e a dominação do território – no caso, o celeste. Constelações gregas são usadas como referências universais, ainda que cada civilização já tivesse o seu mapeamento estelar. A predominância de uma cultura eurocêntrica sobre culturas de países do hemisfério sul é um entendimento subsequente a essa intenção inicial, mas o processo de produção – com linhas brancas obtidas por meio da raspagem da tela, mostra também um sentido de desgaste dessa mesma cultura, e como ela é falha ao atender por completo os anseios de outros povos.
Da mesma forma como o espaço – leia-se território – é discutido em seu lugar na história, o próprio tempo se torna um assunto na obra de Tebet. Em uma de suas principais e mais fortes obras, o artista dispõe um galho seco e espalha miolos de pão espremidos pela própria mão diariamente sobre uma mesa onde é possível observar o espaço, com seus planetas e galáxias. Ali, a organicidade do pedaço de árvore se contrapõe ao trabalho conjunto e manufaturado do miolo de pão, proveniente de um pão que um dia foi assado a partir de uma massa que um dia foi trigo. O lugar do tempo aqui não é a discussão sobre sua inexorabilidade, mas antes sua atemporalidade. A dimensão temporal que perpassa ambos os processos de criação – do galho e dos miolos de pão – e da própria manufatura universal do pão enquanto alimento milenar, ganha sentido na aproximação dos objetos e na disposição sobre o cosmos, em sua infinitude de espaço e tempo.
Mais uma vez, o processo de criação vem para reiterar significados. O trabalho coletivo – do padeiro que prepara a massa e assa o pão e do artista que amassa seu interior diariamente para dispor sobre sua obra, e todas as limitações do corpo que as duas empreitadas compreendem – suspende o tempo dessas execuções em prol de uma subjetividade a que não se nega a força do processo, mas para a qual o resultado não se desdobra em horas ou dias. Ali, o espectador observa seu universo congelado no tempo. A busca incessante por uma continuidade, e o desejo universal da raça humana de se deixar marcas pelo caminho revelam passado e futuro por meio desses elementos jogados sobre o espaço, como búzios jogados no Candomblé, ou escritas rupestres encontradas em sítios arqueológicos. O tempo perdura em si, e não se desgasta como desgasta a tudo o que não é o tempo.
O desgaste e o tempo, aliás, são constantes na obra de Tebet. O desgaste está presente nas linhas traçadas com estiletes sobre um pedaço de papelão, nas constelações lixadas ou raspadas de sua tinta original nas telas pintadas a óleo, mas também nas rodas de skate que dispõe enfileiradas em um cadarço simples amarrado a um prego na parede. Tendo sua forma manipulada pela simples gravidade, que puxa verticalmente todas as rodas, dispostas como vértebras de uma coluna, a obra dialoga com a cultura tribal africana. Nela, é comum o uso de ossos como colares, adornando corpos com orgulho, da mesma forma como o desgaste das rodas é motivo de vaidade para o skatista na cultura urbana. Mais uma vez aqui a cultura marginal é observada a partir de uma estética resumida e poderosa, que não limita o olhar do espectador, mas também não lhe incute mais profundidade do que se pretende.
Tebet constrói a riqueza de sua obra a partir de elementos simples, e talvez isso justifique sua força. Nas leis universais de seus maiores interesses – o tempo e o espaço – a simplicidade é valorizada como perene, e a perenidade é a recompensa do tempo sobre o espaço. A leitura é igualmente simples: dura o que é estático, mas perdura o que é dinâmico.
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