Ecos de Movimento

 

Centrada na questão do movimento, a seleção de obras reunidas aqui, apresenta artistas de diferentes gerações que compartilham um interesse comum pela abstração e uma sensibilidade para o cinetismo. Nas pinturas e pinturas-objetos dos 6 artistas, o olho é ponto de partida da experiência estética e elemento ativo para o acionamento dos sentidos. As obras não só revelam algumas das especificidades dos experimentos cinéticos e ópticos como propõem uma reinterpretação contemporânea deste capítulo da arte moderna.

A arte cinética se firmou como uma tendência em Paris, na França, a partir da exposição “O Movimento” de 1955, na histórica galeria Denise René, mas se expandiu para outras geografias e sotaques nas décadas seguintes. Um dos primeiros movimentos transnacionais na arte, o Cinetismo seria fortemente marcado pela presença de artistas latino-americanos na Europa entre as décadas de 1960 e 1980. Caracterizada por produzir dinamismo ou, pelo menos, por causar a sensação de movimento, a vontade cinética é oriunda de uma reflexão que já contava com alguma presença no pensamento artístico precedente, a exemplo de Semiesfera rotativa (Óptica de precisão) (1925), de Marcel Duchamp – um dos primeiros objetos cinéticos considerados como obra de arte em seu próprio tempo. Duchamp estava interessado em desestabilizar a visão, em criar conexões menos racionais para o olhar e, em seguida, na escola da arte cinética tratava-se de pensar o espectro visual com um interesse primordial pela relação com o espectador. As obras provocam uma espécie de perturbação das referências do sujeito que olha e deslocamento de sua orientação espacial e temporal por meio de dispositivos inventados para desafiar a percepção.

As inovações formais daquelas vanguardas da arte cinética e da arte óptica em meados do século XX estavam em consonância a uma certa concepção de modernidade alinhada às tendências abstrato-geométricas, em plena ascensão. A visão não estava mais presa às coisas do real e a linguagem não estava mais presa a significados fixos. Era possível, a partir de então, criar uma visão que não se parecia com nada que havia no mundo e as formas abstratas revelam outras dimensões da realidade para além da representação. Esse aspecto é importante para entendermos também o legado que marca as experiências de construção do espaço pictórico e de interação entre obra e espectador.

Três dos artistas apresentados em Ecos do movimento, Abraham Palatnik, Julio Le Parc e Carlos Cruz-Diez, são pioneiros do cinetismo. Palatnik no Brasil, Le Parc na França e Cruz Diez na França e na Venezuela foram desenvolvendo, de forma original e pessoal em seus trabalhos, uma pesquisa aprofundada sobre a luz e o movimento. A partir de formas elementares e/ou geométricas, os projetos proporcionam resultados visuais em que o movimento real ou virtual, dado pelo ritmo e dinâmica da composição, interpelam ativamente o olhar produzindo ilusões ópticas, efeitos e sensações provocativas, lidando com a imersão em uma certa atmosfera criada pela obra. Sobre Primer Proyecto Para un Muro Exterior (1954-59), um de seus primeiros projetos estruturados entorno do movimento e da cor, Cruz-Diez afirma:

“Quando fiz essa obra, o que eu queria era criar um evento em que as pessoas vissem uma mudança de cor quando passassem por ela, seja para a direita ou para a esquerda. É um trabalho que antecede, em cinco anos, a proposta básica da Physichromies, que é a transformação da cor no tempo e no espaço.¹”

Tanto as obras de Cruz-Diez, quanto as de Mano Penalva e Juan Parada nos demandam uma observação ativa, é preciso que nos desloquemos no espaço para “ver” o movimento da luz no plano pictórico da obra. Em conversa com Penalva, ele diz que seu interesse ao realizar as obras da série Ventana se concentram mais no deslocamento dos corpos no espaço que no próprio efeito pictórico que o trabalho possa produzir². Suas composições em materiais encontrados no comércio de grande distribuição, como o nylon e ripas de madeira padronizadas, podem ser consideradas releituras críticas de obras já históricas da arte latino-americana e contrastam notadamente com a série Progressão Jacarandá (antecessora da série W) de Palatnik que se destaca pela excepcionalidade do material, a madeira nobre e genuinamente brasileira. Em Penalva, o material é comum, oriundo da indústria globalizada de grande escala e se “fetichiza” ao ser seccionado, racionado para efetuar a obra.

Em Cruz-Diez e Penalva, a grade se mantém em planos ortogonais ainda que esses planos se sobreponham, criando a impressão de volumes que se projetam para o espaço. Já em Parada, as linhas paralelas e transversais formam volumes concretos que revelam sua fisicalidade pela utilização da cerâmica vitrificada, material escultórico que permite criar uma espécie de distorção sólida, principalmente na obra Tesselação I V3 que sugere uma trama geológica, uma paisagem geometrizada.

Em todos os trabalhos podemos identificar estratégias de repetição, progressão, contraste e gradação para criar o efeito de movimento. Mas em Palatnik, Le Parc e Caetano de Almeida, o plano pictórico simula o movimento, explorando a ilusão de óptica e nos hipnotizando, o fluxo acontece dentro do quadro. Eles introduzem elementos composicionais que trazem distorções ou relevos geométricos produzindo efeitos a partir da variação de formas e cores na superfície do quadro. Nos trabalhos de De Almeida e Le Parc, por sua vez, a utilização das linhas curvas oferece desvios ao vocabulário construtivo, nos levando a perceber as tensões geradas pelo encontro entre a rigidez da grade e o artesanal dos traços e pontos sobre a tela, entre o orgânico e o inorgânico, o real e o virtual, o racional e o intuitivo. Na série Alquimias, realizadas desde a década de 1980, Le Parc se vale da paleta de 14 tonalidades que ele vem utilizando desde 1959 para construir formas dinâmicas. Como vemos em Alchimie 398 e Alchimie 387, as cores são reduzidas a pequenos fragmentos, como se fossem partículas em fluxo contínuo. Já em De Almeida, os “buracos”, “rasgos” ou dilatamentos” presentes em Aquidauana, Felix e Remanso, acentuam de forma bem-humorada a “organicidade geométrica”. Enquanto em Palatnik, as configurações onduladas que de W-447 remetem a campos de energia vibrantes e trazem a sensação de equilíbrio instável, contrastante com a sólida pesquisa do artista-engenheiro, baseada na matemática e na objetividade.

A estrutura geométrica dos trabalhos reunidos aqui aponta certamente para a rica história da abstração geométrica e para o neoconcretismo brasileiro. Entretanto, Mano Penalva, Caetano de Almeida e Juan Parada operam “subversões” dessas tradições ao introduzir certos distúrbios de caráter material e formal em suas composições. O rigor da grade dá lugar a dinâmicas e “flexíveis”, tramas, texturas, esgarçamentos e relevos. O aperfeiçoamento dos materiais e a utilização de códigos de cor respeitando regras de pré-estabelecidas da arte óptica são substituídos por materialidades e cores mesclados, assim como nuances, semitons e transparências. Nesse sentido, esses três artistas dão continuidade ao “compromisso entre o orgânico e o geométrico, entre o afetivo e racional, ou entre sujeito e objeto³” que caracteriza boa parte da arte brasileira e latino-americana da segunda metade do século XX, mas de forma crítica e abrindo outras possibilidades mais amplas de criação do real e da dimensão coletiva da arte.

 

Camila Bechelany

¹ Jimenez Ariel, Carlos Cruz-Diez in conversation with Ariel Jiménez. New York City: Fundación Cisneros / Colección Patricia  Mammi, L. (2012). O que resta: arte e crítica de arte. São Paulo: Companhia das Letras. Pp. 223 – 224. Phelps de Cisneros, 2010. Pp 39

² Conversa realizada com o artista em 15 de outubro de 2024.

³  Mammi, L. (2012). O que resta: arte e crítica de arte. São Paulo: Companhia das Letras. Pp. 223 – 224.

Abraham Palatnik | Sem Título, 1986

cartão duplex

63 x 60 cm

Caetano de Almeida | Remanso, 2015

acrílica sobre tela

220 x 170 cm

Juan Parada | Topografia Polifônica V3, 2024

cerâmica vitrificada sobre alumínio

112 x 105 x 9 cm

Abraham Palatnik | W-970, 2016

acrílica sobre madeira

125 x 110 cm

Carlos Cruz-Diez | Physichromie Panam 293, 2018

cromografia sobre alumínio

60 x 90 cm

Julio Le Parc | Alchimie 387, 2017

acrílica sobre tela

100 x 100 cm

Mano Penalva | Rhoeo, Série Ventana, 2024

faixa de nylon, ripas de madeira e tinta esmalte

80 x 100 x 5 cm

Julio Le Parc | Alchimie 398, 2018

acrílica sobre tela

100 x 100 cm

Carlos Cruz-Diez | Color Aditivo, Série Caracas C1, 2010

cromografia sobre alumínio

80 x 160 cm

Mano Penalva | Favo, Série Ventana, 2024

faixa de nylon, ripas de madeira e tinta esmalte

80 x 160 x 5 cm

Caetano de Almeida | Aquidauana, 2018

acrílica sobre tela

140 x 120 cm

Juan Parada | Tesselação I V3, 2024

cerâmica vitrificada sobre alumínio

71 x 71 x 10 cm

X
ID: 20
Abraham Palatnik | Sem Título, 1986
cartão duplex
63 x 60 cm





X
ID: 21
Caetano de Almeida | Remanso, 2015
acrílica sobre tela
220 x 170 cm





X
ID: 22
Juan Parada | Topografia Polifônica V3, 2024
cerâmica vitrificada sobre alumínio
112 x 105 x 9 cm





X
ID: 23
Abraham Palatnik | W-970, 2016
acrílica sobre madeira
125 x 110 cm





X
ID: 24
Carlos Cruz-Diez | Physichromie Panam 293, 2018
cromografia sobre alumínio
60 x 90 cm





X
ID: 25
Julio Le Parc | Alchimie 387, 2017
acrílica sobre tela
100 x 100 cm





X
ID: 26
Mano Penalva | Rhoeo, Série Ventana, 2024
faixa de nylon, ripas de madeira e tinta esmalte
80 x 100 x 5 cm





X
ID: 27
Julio Le Parc | Alchimie 398, 2018
acrílica sobre tela
100 x 100 cm





X
ID: 28
Carlos Cruz-Diez | Color Aditivo, Série Caracas C1, 2010
cromografia sobre alumínio
80 x 160 cm





X
ID: 29
Mano Penalva | Favo, Série Ventana, 2024
faixa de nylon, ripas de madeira e tinta esmalte
80 x 160 x 5 cm





X
ID: 30
Caetano de Almeida | Aquidauana, 2018
acrílica sobre tela
140 x 120 cm





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ID: 31
Juan Parada | Tesselação I V3, 2024
cerâmica vitrificada sobre alumínio
71 x 71 x 10 cm





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