Em 27 de setembro de 2010, em sua casa parisiense de Savigny-sur-Orge, com 97 anos de idade e totalmente lúcido, Carmelo Arden Quin terminou sua jornada esplendidamente dinâmica cercado pelo amor de sua esposa Sofía Kunst, do artista uruguaio Bolívar e de dezenas de artistas que tinham absorvido o seu legado e que seguem as proposições estéticas do Mestre ao longo dos mais variados cenários no mundo todo. Arden Quin nasceu em Rivera (Uruguai) em 16 de março de 1913, coincidentemente no momento em que os movimentos europeus de vanguarda já estavam buscando emancipar-se da lei sacrossanta da natureza para desenvolver as suas próprias regras e seu próprio gênio criativo, facilitando a gestação da abstração geométrica.

 

Sabemos que, em 1936, Arden Quin enviou um de seus quadros para o Ateneu de Montevideo, a convite do professor Torres García, que havia declarado um "construtivismo universal." O jovem artista não pertencia ao atelier do professor, mas buscaria manter longas e produtivas conversas com o grande artista uruguaio. Em 1938, já vivendo em Buenos Aires, ele começou a estudar Filosofia e Artes Liberais e começou a pintar suas primeiras obras não-ortogonais. Em 2007, em uma conversa em Paris com Sofía, Carmelo Arden Quin, ao se referir a algumas características básicas do movimento Madí, do qual foi um dos fundadores em Buenos Aires em 1945, disse: "Suportes antes de Madi, ambos com arte figurativa e não-figurativa, era uma superfície com quatro ângulos retos com a forma de um quadrado ou um retângulo, e até aquele momento, a pintura foi realizada nesse suporte, mesmo a pintura geométrica. As dimensões (altura e largura) são concebidas utilizando este critério. Em busca de novas formas planares, os Madí começam a trabalhar com outros polígonos que poderiam ser regulares ou irregulares: triângulos, losangos, pentágonos, hexágonos, indivíduais ou justapostos, e dos quais círculos são também uma parte. Esta é a síntese das obras Madi. Obras simples, sem aspirações metafísicas ou de qualquer outro tipo."

 

Com 94 anos de idade - que é quantos anos ele tinha quando esta conversa aconteceu - o artista era tão lúcido quanto em sua juventude e idade adulta, mas mais sábio. Essas definições claras e precisas são um grande sintetizador, ao mesmo tempo que nos obrigam a cortar o caminho percorrido, pelo menos até certo ponto, para chegar à simplicidade a qual Arden Quin estava se referindo. Nas primeiras décadas do século 20, quando os artistas cubistas propuseram uma ruptura com o espaço virtual da pintura – que havia existido perpetuamente ao longo da história da pintura como uma janela através da qual as imagens representacionais eram projetadas –conquistando a planimetria, isso representou um grande passo, muito embora o Cubismo ainda houvesse mantido uma qualidade figurativa. Mas, com a conquista dos planos mesmo em pinturas não-figurativas, a ortogonalidade dos mesmos mais uma vez trouxe a janela que agora, estranhamente, recriava fundo e figura em um esboço no qual o núcleo do trabalho foi inscrito no campo que serviu de fundo.

 

Em 1946, os artistas Madi teorizaram e propuseram a moldura recortada e chegaram às mais recentes consequências da crise de representação . A idéia de uma ruptura com a estrutura ortogonal libera a obra do campo ou do fundo para deixar apenas um núcleo que agora adquire as formas planares mais variadas dentro do espaço, como faria qualquer outro tipo. E é aqui onde a almejada ruptura total com o passado metafísico é consumada e a obra adquire a condição de um "simples" objeto visual, usando as palavras de Arden Quin. O artista falou de outros características Madi naquela conversa: "Além dos planos, curvas , superfícies ondulantes e coplanares, que são invenções absolutas do movimento, estas estruturaram o plano monocromático, em preto e branco com cores complementares. Em outras palavras, o artista tem liberdade absoluta com cor em planos puros que constituem uma forma, além do elemento multilateral e da mobilidade dos planos, de relevos côncavos e convexos e de perfurações que atravessem a superfície, levando-nos a pensar em uma criatividade que inventa objetos que explicam a si mesmos, tal qual uma árvore, um buquê de flores, etc ...

 

Por outro lado, a extensão de materiais Madi é ilimitada, pois desde que seja uma superfície lisa, ela pode ser qualquer coisa de papel a diversos materiais plásticos, passando pela madeira e metal." A palavra "invenção", tão comum no vocabulário de Arden Quin, nos leva de volta para que a única edição da revista Arturo (Bs. As. 1945), na qual os membros do departamento editorial usaram a palavra de modo a deliberadamente evitar o uso de "criação", porque este último tinha um conteúdo teológico forte que já estava sendo evitado desde que Mondrian e os construtivistas passaram a trabalhar à margem da geometria. "Invenção" nos aproxima da idéia de um engenheiro, operador ou arquiteto, o que implica, antes de tudo, no uso racional dos recursos, em oposição ao mundo de "expressões" ou de "inspiração", que por sua vez se baseia, de acordo com esses artistas, em uma subjetividade ainda romântica.

 

Mas acredito ser necessário salientar que, além dos movimentos e grupos, existem apenas artistas girando em torno de programas, artistas cujas obras não são o equivalente, mas a soma total de características individuais. Tal é o caso de Arden Quin, uma força singular que produziu mais de 60 anos uma obra corpo profundamente original, fruto de sua inevitável vontade de renovar e de suas idas e vindas entre intuição e conceituação, em um diálogo ininterrupto com planos e formas geométricas. Em relação a este assunto, gostaria de mencionar que uma vez, em uma ligação que eu fiz a ele em Paris, pouco antes de sua morte, ele começou a falar sobre o triângulo e as novas possibilidades que este posava para ele, como se ele houvesse acabado de descobrir isso. Sinceramente, fiquei surpreso, e ele fez-me pensar no compromisso de alguém que, no final de sua vida, continua a manter o diálogo de um amante com a geometria. Não devemos esquecer que as suas várias invenções surgiram a partir de intuições que o artista seguiu regularmente, em sua busca por novas formas. Tal é o caso das obras que apresentamos hoje, uma viagem fascinante que nos leva para do início de sua carreira todo o caminho em direção de obras concluídas pouco antes de sua morte. Elas são uma manifestação clara da investigação e criação de um mundo de meras manifestações no qual a forma artística materializa-se como algo. Mas essa materialização não é uma representação, e sim uma apresentação do que é oferecido aos nossos olhos. Todavia, com esta definição... quão distante estamos de uma percepção concreta dessas obras, cuja presença produz o efeito de uma verdadeira epifania! Sua proposta é a de um imaginário singular que envolve o espectador em um conceito de beleza profundamente em contato com a nossa própria época.

 

Harmoniosas e inesperadas, tal como mensagens que desencadeiam os mais variados sentimentos, essas obras continuam a acrescentar ao patrimônio de formas Madi, na pessoa de um artista cuja subjetividade se desdobra continuamente e coloca em termos objetivos as visões articuladas nele como palavras em um idioma desconhecido, uma linguagem com a qual Carmelo Arden Quin nos acostumou como a medida que meditava durante seus longos dias cheios de graça, ecoando com precisão a linha de seu longo poema Eclimón – editado em Buenos Aires pela Ed. Malvario em 2005 – no qual ele escreveu, não por acaso, no penúltimo verso: "A única coisa importante é superar o padrão de referência." Hoje Carmelo ultrapassou o último padrão de referência e tornou-se parte da história, de um mito, de uma lenda.

 

Raúl Santana

Janeiro 2014

 

Raúl Santana (1940, Buenos Aires). Poeta e crítico de arte, dirigiu na cidade de Buenos Aires o Museo de Arte Moderna e o Palais de Glace. Colaborou em diversas publicações na Argentina e no exterior, entre elas: La Opinión, Clarín e Arte al día. Comentarista de arte atuante na mídia, teve sua produção crítica compilada na edição Huellas del Ojo - Mirada al Arte Argentino (Editorial Asunto). Recebeu do governo francês o título de “Chevalier des Arts et des Lettres”.

Cosmopolis 1, 1946

óleo sobre cartão

34,5 x 49 cm

Mad II,1945

óleo sobre cartão

34,5 x 59 cm

Lice, 1945

óleo sobre cartão

61,1 x 48 x 4 cm

Cubismeria, 1947

óleo sobre cartão

79,5 x 66 cm

Structure, 1946

Óleo sobre cartão

35 x 42 cm

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