“Construção Simbólica” é a primeira grande mostra de Emanoel Araujo na Simões de Assis em Curitiba. A exposição tem início ainda do lado de fora, na fachada da galeria – é impossível não arrebatar-se com a escultura sem título que abre a mostra como uma espécie de ponte entre a rua e o espaço expositivo, revelando a dimensão pública e monumental da obra do artista. Essa monumentalidade, aliás, se reitera de imediato na primeira sala: ao adentrá-la, deparamo-nos com trabalhos que residem numa escala mais imponente – ainda que, de maneira muito singular e paradoxal, também relacionem-se com nossa escala de corpo.
O espectador parece ser naturalmente convidado pelas obras a circular, rodear, transcorrer e esquadrinhar o espaço, buscando ângulos alternativos de leitura, faces ainda não descobertas, novos indícios de cor e sombra, um plano escondido… As peças desse primeiro momento também nos permitem descobrir como Araujo lança mão de variadas formas em sua produção – esculturas de piso, relevos de parede e pendentes –, evidenciando uma pesquisa que não se prende a um único suporte ou linguagem.
Os relevos de Emanoel Araujo parecem desdobramentos lógicos e intuitivos de sua atividade como gravurista. É como se os planos geométricos que se angulam no papel criando ilusões de volumetria, matizados de cores sólidas, saltassem para fora da superfície, ganhando corpo. Mas, mais do que isso, as próprias matrizes de gravação apontam para essa ligação: a?nal, o que são as xilogravuras se não entalhes e relevos que criam formas e linhas na madeira? É possível perceber, assim, como esses relevos se comportam como expansões espaciais dos entalhes e marcações, prolongamentos e dilatações da geometria que se lançam em direção ao tridimensional. Ademais, o cuidado com a cor também permanece, uma vez que a policromia é uma marca desta série; as matizes, com combinação de nuances similares ou com revestimentos sólidos, ganham volumes e proporções reais, com uma presença potente.
Assim, para além da genealogia na gravação em madeira, evidencia-se um pertencimento íntimo e indissociável do artista às transformações mais potentes da história da arte brasileira, momento em que Araujo estabelece novos vocabulários construtivos para além do modernismo tardio ou das in?uências europeias, bebendo em fontes do continente africano para elaborar sua produção. Sabe-se que as formas e dobras que o artista articula em seus complexos relevos reverberam não só uma abstração geométrica ancorada em cânones ocidentais mas, igualmente, diversas referências diretas à cultura africana.
Atraindo-se pela obra circular que cria um ponto de fuga ao fundo da galeria, chega-se às salas seguintes, onde é notável a sensibilidade do artista com o tema, ainda, da escala. Em trabalhos que oscilam de um a quase três metros de estrutura, encontramos renovados desdobramentos da geometria construtiva, em ângulos ora mais agudos e acirrados, ora mais retos e contidos. Em realidade, triângulos, quadrados, círculos e polígonos se estendem e se fragmentam simultaneamente à medida que percorremos a longitude dos trabalhos, em vibrações ritmadas em constante mutação.
Nessa exposição, é possível conhecer e aprofundar-se no viés construtivo da produção de Emanoel Araujo, celebrando sua imprescindibilidade para se pensar, hoje, a arte no Brasil. Sua faceta de artista é uma camada que consolida todas as suas outras contribuições inestimáveis como curador, gestor e pesquisador, à frente dos principais museus e instituições culturais que moldaram e moldam a cena da arte contemporânea no país.
Julia Lima