Timbres de cor, matizes de som
“Scattered Timbers” (Timbres Dispersos) é a primeira individual de Dashiell Manley no Brasil. O artista apresenta um conjunto de novas pinturas que corporizam plenamente as suas investigações visuais, materiais, plásticas e conceituais, desenvolvidas ao longo dos últimos anos. Suas técnicas de pintura foram desenvolvidas de maneira autodidata em seu ateliê, já que seus primeiros trabalhos inicialmente eram vídeos e instalações que partiam de seu interesse e pesquisa sobre ciclos de notícias, manchetes, comentários políticos, histórias em quadrinhos e outras questões envolvendo meios de comunicação.
À medida que ele avançava sobre o campo pictórico, o ato físico de aplicar tinta na tela tornou-se um gesto meditativo, afastando-se da natureza frenética, acelerada e em constante mudança de sua produção anterior – no entanto, o processo mental de elaboração das imagens permaneceu presente. Existe agora, mais do que nunca, uma dimensão psicológica em suas obras. Apesar de inicialmente serem vistas como abstratas, estas peças recentes revelam, na verdade, paisagens, folhagens, conchas, ondas, insetos, pássaros, bem como estados de espírito, temperamentos, atmosferas, humores e emoções. Esta dupla qualidade torna as pinturas verdadeiramente fascinantes e enigmáticas, envolventes e misteriosas. Oscilamos entre imaginar e supor o que eles poderiam representar e mergulhar irresistivelmente em suas texturas, matizes, sombras e gestos expressivos.
Um aspecto singular desta exposição é o seu título. A palavra “timber”, em inglês, significa madeira ou floresta, enquanto o termo “timbre” tem a mesma grafia e sentido tanto em português quanto em inglês e refere-se a sons, ou melhor, a como diferenciamos os sons e a qualidade de um tom musical. A versão do título em português não carrega o mesmo potencial duplo sentido, já que “timber” sendo “árvore” ou “madeira” se afasta significativamente da grafia de “timbre”. Assim, poderíamos ter um título alternativo – árvores dispersas. Curiosamente, “tom” é um termo que pode ser aplicado tanto ao som quanto à cor, assim como “timbre” em inglês também pode ser chamado de “cor do tom” – e aqui tomamos licença poética para ampliar a sobreposição de conotações musicais e cromáticas dos termos. Timbres de cor, matizes de sons, a qualidade sinestésica das pinturas de Manley emerge à medida que observamos seus padrões rítmicos e vibrantes, suas sutis tonalidades e sua composição complexa.
Algumas das obras expostas são marcadas pelo surgimento de uma linha vertical que divide o corpo interno da pintura. Esta verticalidade deriva, como o próprio artista diz, das suas recentes reflexões sobre as florestas e a sua configuração – árvores que constituem uma rede interligada, o seu todo como um organismo que pode comunicar-se consigo mesmo e com outros. Além disso, não há como negar o impacto que trabalhar no Brasil teve em sua perspectiva, considerando que ele vive no ambiente urbano predominantemente horizontal e espalhado de Los Angeles, e veio para São Paulo para enfrentar um contexto extremamente verticalizado e condensado. Talvez não por acaso estejamos tão acostumados a chamar grandes cidades como a nossa de selva de pedra.
Por fim, todas as referências a árvores e sons acabaram por evocar uma questão filosófica (e, mais tarde, científica) consagrada pelo tempo: se uma árvore cai na floresta e não há ninguém por perto para ouvi-la, ela fez barulho? Embora não haja certeza sobre a autoria deste dilema, o princípio por trás da questão é saber se algo pode realmente existir se não for percebido como existente. Apesar de toda a concretude de uma pintura, podemos ouvir os sons que ela emite? Suas cores mudam se não as observarmos? Mais ainda – a nossa observação da pintura altera a imagem que o artista criou inicialmente? Devemos ouvir atentamente às obras de Dashiell Manley para podermos percebê-las em sua completude.
Julia Lima