Jorge Guinle: o vaivém da pintura 

 

Jorge Guinle Filho viabilizou sua efetiva inscrição no nosso tecido cultural nos anos oitenta. Foi um artista além do seu tempo. Seu percurso artístico de maior representatividade ganhou estatura e maior solidez entre 1980 e 1987, um curto período devido ao seu precoce falecimento aos quarenta anos de idade, mas de grande intensidade e uma produção acelerada pelo seu ímpeto contemporâneo. O artista nasceu e faleceu em Nova York, morou muitos anos no exterior, mas o Rio de Janeiro foi a cidade que escolheu para viver e produzir toda a sua obra. Conhecia os impasses da arte e acompanhava os movimentos que surgiam em Paris, Nova York, no Brasil e no mundo, mas estava em busca de seu próprio direcionamento. A sua trajetória é uma tradução de uma vontade da pintura, do fazer descompromissado, do gosto pelo improviso e pelo livre fluir da pintura, tão presente em suas obras. Segundo sua afirmativa, “chegar a uma harmonia através dos paradoxos, é o que me anima”.

Foi um artista essencial para a representação pictórica brasileira. O exercício da pintura pavimentou grande parte do seu território cotidiano e sua caligrafia visual do mundo. Exercia uma fidelidade absoluta à pintura, utilizando inclusive os métodos tradicionais do fazer artístico por excelência, como a tinta à óleo sobre tela ou suporte neutro do papel. Fez parte de uma geração que buscava a revitalização e a persistência da pintura, apesar da predominância da arte conceitual, da pop art e do minimalismo. Sua produção dos anos oitenta permanece ainda hoje como a principal referência para o circuito de arte como uma significativa presença estética. Soube particularizar, em seu trabalho, a ebulição de estilos cultos, ou seja, dos movimentos artísticos modernos e contemporâneos que tornaram a História presente. No seu entender, “para voltar à pintura, é necessário fazer a pintura dar voltas”.

A obra de Jorge Guinle traz a característica de um pluralismo na sua linguagem pictórica. Apresenta as diferenciadas vertentes das tendências predominantes na arte que ele denominava como “os deuses modernos, os artistas formam o seu back ground artístico afetivo”, que impregnavam a lógica e a dinâmica da sua produção artística. Sem ter um programa estético determinado, mas afirmando que “no caso da pintura, o olhar humano tem que deslizar pela tela inteira sem ficar preso a esse ou aquele detalhe. Sou uma pessoa que sofreu a carga de toda a tradição moderna, inclusive do movimento Fauve”.

Onde situar os trabalhos de Jorge Guinle? Suas obras são inseparáveis de toda a história da arte, tornando cada vez mais problemáticas as relações entre as diferentes vertentes da arte. Como se fosse uma pintura-ação, o artista rompia a distinção entre arte e vida. Suas telas arrastam consigo as suas sucessivas formas de atividades, os fragmentos de suas vivências. 

Inicialmente as suas obras tinham referências figurativas, mas nos anos oitenta transitam entre o figurativismo e o abstracionismo. Sua produção artística passa a adquirir outras linhagens históricas que velozmente se entrelaçam, como o expressionismo alemão, italiano e a pintura americana. Cria sobreposições através do desdobramento da complexa dinâmica do seu processo de trabalho, onde não parece ter hierarquias ou pausas, mas mantém um fluxo frenético, um sem fim indeterminado. São poucos e raros os espaços vazios. A questão das cores habita intensamente o seu universo de conhecimento. A pintura era um território preciso, composto de um repertório complexo e referenciado no tecido histórico da arte.  

No final de 1986, contraiu pneumonia e recebeu resultados inconclusivos após teste de HIV. Aconselhado pelos médicos a repetir os exames mais detalhados nos Estados Unidos, em abril de 1987, embarcou para Nova York e iniciou o tratamento contra aids. No dia 9 de maio foi internado no Memorial Hospital e faleceu no dia 18 de maio de 1987. As suas últimas obras foram exibidas na Grande Galeria do Centro Cultural Candido Mendes na Praça XV, em dezembro de 1987. Também em maio de 1988, na Galeria de Arte São Paulo e, em julho de 1989, na Galeria Anna Maria Niemeyer, o artista foi homenageado com a apresentação de suas prováveis últimas telas pintadas antes de partir para Nova York, onde veio a falecer.  Essa série final de seus trabalhos foi intitulada L'Heure Bleue / A Hora Azul fazendo referência ao perfume em voga nos anos trinta. Nessas telas, o processo pictórico parece se tornar mais rarefeito, relutando em aparecer, pelo uso excessivo de diluentes na parte dos pigmentos. Os campos visuais se compunham mais serenos e mais suaves. O artista Fabio Miguez comentou a respeito dessas obras: “Talvez as mais belas, onde o esvaziamento da pintura, de certa forma, coincide com o esvaziamento da vida”.

Jorge Guinle foi um singular interlocutor das novas gerações e das precedentes, marcando a história da arte brasileira. Atuava em um território amplo, heterogêneo. Convivia com novos repertórios, outras possibilidades. Passou o tempo todo indagando sobre os dilemas da pintura que era um elemento constante, um objeto de desejo, manteve a consciência da natureza expansiva de sua produção artística, que realizou com meios diferenciados e atingiu uma extraordinária amplitude. Produziu uma pintura que lhe é própria e inevitável, com uma linguagem fluida, uma gama de cores que flutuam no espaço e produzem efeitos visuais de uma plasticidade inesperada. Suas pinceladas aleatórias ou intencionais, refletem um sistema pictórico que conduz a um complexo repertório da historiografia da arte.

No período do inverno novaiorquino, em 1985-1986, decidiu passar uma temporada com a mãe, quando realizou 14 telas de grandes dimensões no Kaufman's Studio, no Queens, pois estava preparando uma exposição que nunca foi realizada. A primeira visão pública desse conjunto extraordinário de oito telas inéditas recém descobertas pela galeria Simões de Assis nos Estados Unidos, fazem parte das obras finais do artista e ancoram novos ângulos de reflexão sobre seu legado, seus desdobramentos, continuidades ou rupturas. Essas obras estavam sem bússola, jamais tinham sido encontradas. Eu estive pessoalmente no estúdio de Nova York à procura delas e não encontrei nenhum rastro. A Simões de Assis foi a responsável por trazer à luz essas surpreendentes telas, mas sua relação com a obra de Jorge Guinle vem de longa data, desde sua inauguração em 3 de julho de 1984, em Curitiba, onde o artista esteve presente e apresentou duas pinturas intituladas O Minotauro e Interior Atávico, acompanhado de um texto crítico de Ronaldo Brito. A mostra inaugural foi uma coletiva transgeracional da qual participaram os artistas Alfredo Volpi, Tomie Ohtake, Arcangelo Ianelli, Ivald Granato, Hércules Barsotti, Rubens Gerchman, entre outros.

O fazer pictórico é uma tarefa infinita. Incessante, interminável, mas parecem realizadas para as sensações do presente. Suas cifras secretas estão presentes nas complexas interrogações no sistema plástico, evidenciam outros territórios e descortinam novas reflexões nas férteis vertentes da arte. Pintar implica localizar, no âmbito da produção pictórica, questões produtivas capazes de revelar um pensamento sobre a própria pintura. A cor para Jorge Guinle tinha um lugar polissêmico, uma linguagem com aparente arbitrariedade, usada com intensidade e liberdade incomparáveis, como se fosse uma tinta fresca.

Essas pinturas irradiam a sua contínua e intensa vontade de pintar. Comprovam o vaivém do exercício da pintura, com as massas de óleo e um repertório cromático dissonante, que nos contamina pela sua densidade corpórea, seus elementos pulsantes que instauram uma visão de mundo.  Mantém a sua identidade e distendem a sua permanente indagação sobre a pintura, que realizou com meios diferenciados para obter uma massa avassaladora, como um processo e um fim inevitável. As cores saturadas, descontínuas, vertiginosas, aliadas a uma pulsação visual intensa, ao nervosismo de seus gestos, são as marcas de sua linguagem. Um turbilhão de cores, tintas escorridas e pinceladas vigorosas, vibrantes para todos os lados. As telas exalam uma inteligência pictórica e uma erudição visual que propagam a sua imensa energia plástica. Apesar de serem datadas em 1986, parecem viver no momento presente, mantendo intacto o seu frescor. Suas obras emanam algo duradouro, suscitam uma conversa infinita conosco.


Vanda Klabin

Sem Título, 1985-1986

óleo sobre tela

167,6 x 167,6 cm

Hall de Entrada, 1987

óleo sobre tela

50 x 50 cm

Sem Título, 1985-1986

óleo sobre tela

157,5 x 167,6 cm

Sem Título, 1985-1986

óleo sobre tela

167,6 x 167,6 cm

Shoehorn for Understanding Freud, 1986

óleo sobre tela

107 x 86,4 cm

Sem Título, 1985-1986

óleo sobre tela

177,8 x 177,8 cm

Tranquil Waters, 1986

óleo sobre tela

147,3 x 86,4 cm

Sem Título, 1985-1986

óleo sobre tela

182,9 x 182,9 cm

Sem Título, 1985-1986

óleo sobre tela

167,6 x 167,6 cm

Sem Título, 1985-1986

óleo sobre tela

86,4 x 83,8 cm

X
ID: 20
Sem Título, 1985-1986
óleo sobre tela
167,6 x 167,6 cm





X
ID: 21
Hall de Entrada, 1987
óleo sobre tela
50 x 50 cm





X
ID: 22
Sem Título, 1985-1986
óleo sobre tela
157,5 x 167,6 cm





X
ID: 23
Sem Título, 1985-1986
óleo sobre tela
167,6 x 167,6 cm





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ID: 24
Shoehorn for Understanding Freud, 1986
óleo sobre tela
107 x 86,4 cm





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ID: 25
Sem Título, 1985-1986
óleo sobre tela
177,8 x 177,8 cm





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ID: 26
Tranquil Waters, 1986
óleo sobre tela
147,3 x 86,4 cm





X
ID: 27
Sem Título, 1985-1986
óleo sobre tela
182,9 x 182,9 cm





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ID: 28
Sem Título, 1985-1986
óleo sobre tela
167,6 x 167,6 cm





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ID: 29
Sem Título, 1985-1986
óleo sobre tela
86,4 x 83,8 cm





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