À altura dos olhos, o enigma
 

(...)

Bato à porta da pedra.

– Sou eu, me deixa entrar.

Quero penetrar no teu interior

olhar em volta,

te aspirar como o ar.
 

– Vai embora – diz a pedra. –

Sou hermeticamente fechada.

Mesmo partidas em pedaços

seremos hermeticamente fechadas.

Mesmo reduzidas a pó

não deixaremos ninguém entrar.

(...)

Wislawa Szymborska

 

A fotografia possui como característica intrínseca um aguçado senso de armadilha. Ao enquadrar determinado evento com o aparelho óptico e conceber uma imagem, desavisados podem pensar que conseguiram capturar a chamada realidade. Por várias décadas, desde o surgimento da fotografia, esse foi o discurso que conduziu a trajetória dessa linguagem artística, inspirando e reforçando desde tendências ditatoriais a discursos humanistas. Não é o caso da pesquisa e trabalho de Julia Kater: em sua exposição "À altura dos olhos", a artista visual desvia da arapuca quase irresistível de descrever os fatos e dar contornos fixos aos acontecimentos que são percebidos com sua câmera.

Não é que o fato não esteja ali. Kater registra momentos aparentemente singelos – e até mesmo banais: uma pessoa sentada de costas olhando para o horizonte, uma mesa cheia de copos e xícaras, uma árvore ou uma pedra, além de suas conhecidas paisagens. Mas é no trabalho de edição posterior à tomada da imagem que a artista demonstra profundo respeito e, até mesmo, admiração pelo enigma da linguagem fotográfica. São os recortes e novos enquadramentos que nos informam sobre a condição silenciosa da imagem: suas obras recusam-se a nos contar uma história totalizante, ao mesmo tempo que nos provocam a completar com nossos próprios sentidos o fio de Ariadne que ela apenas sugere.

As camadas e sobreposições propostas por Kater subvertem a fotografia de paisagem, tão cara à historiografia das artes. Partindo de cenas conhecidas como praias, nuvens e mares, é o gesto físico da artista que nos conta que a imagem não dá conta da realidade. O mapa não é o território, jamais será. Fazendo uso da precisão do estilete em imagens de grandes dimensões, ela inverte noções de céu e horizonte, embaralhando com isso a própria crença do que pensávamos ter visto inicialmente. As paisagens, antes calmas e tranquilizantes, tornam-se abstrações e ganham um caráter questionador, subjetivo e até mesmo filosófico. Junto com a artista, supomos e construímos mentalmente a paisagem que já nos habita em sonhos e devaneios, onde nada está fixo em um ponto e tudo pode acontecer a qualquer momento: o sol pode deslocar-se, a areia virar nuvem e as texturas se confundirem a ponto da abstração. É importante notar como os gestos se repetem e se acumulam, aproximando Kater do pensamento musical, com noções de ritmo e atrelado ao princípio da variação, primordiais ao contemporâneo. São os fragmentos embaralhados que nos conduzem a uma percepção outra, sensorial e mesmo espiritualizada, daquela paisagem que, a princípio, nos parecia tão familiar.    

Quando nos aproximamos das fotografias em menor formato, o silêncio faz-se ainda mais presente. Nem as obras – e, tampouco, a sequência determinada pela artista – nos contam uma história linear, fácil ou única. Kater também reenquadra e modifica as imagens feitas previamente. Se, anteriormente, nos deparamos com o procedimento de corte e justaposição, aqui percebemos a gestualidade do zoom ou close, estratégias comuns na fotografia e no cinema, linguagem na qual a artista também se inspira. E é por meio desses novos quadros que somos colocados de frente para uma silhueta, um contorno de pescoço ou um resto de cotovelo. Vestígios de corpos e estados de espírito. O céu parece se transformar até deixar o sol azul – ou seria apenas uma mancha no filme do negativo? Que mundo é habitado por essas imagens? Quando chegamos a cenas aparentemente “reais”, já estamos de tal forma contagiados que passamos a questionar: o que é, de fato, uma pedra? Qual a essência de uma árvore? E percebemos, como no poema de Szymborska, que essas respostas jamais serão fornecidas, menos ainda pela fotografia. Um dos grandes trunfos da artista é habitar esse silêncio e, mais que isso, reforçá-lo, apresentá-lo e, ao final, nos deixar sozinhos no embate com a própria imagem.

As escolhas expositivas de Julia Kater em "À altura dos olhos" nos fazem lembrar constantemente que todo enquadramento é uma decisão narrativa e um modo de perceber o mundo. Cada gesto é não apenas discursivo, como também político. Ao generosamente abrir as imagens para sua característica enigmática, a artista nos alimenta com pergunta: quando olho, o que vejo? Posso acreditar no que vejo? E, talvez, possamos também pensar: como completo aquilo que vejo? –, se é que seria possível completar.

 

Daniele Queiroz

Sem Título, 2023

fotografia impressa sobre papel algodão

28 x 33 cm

Sem Título, 2023

recorte de fotografia impressa sobre papel algodão

110 x 158 cm

Dos, 2023

fotografia impressa sobre papel algodão

50 x 55 cm

Julho, 2023

fotografia impressa sobre papel algodão

55 x 82 cm

Magnólia, 2023

fotografia impressa sobre papel algodão

34 x 26 cm

Coisa Escrita, 2023

fotografia impressa sobre papel algodão

75 x 102 cm

Sol Estrelas Planetas e Cometas, 2023

fotografia impressa sobre papel algodão

díptico, 65 x 55 cm | 57 x 45 cm

À Altura dos Olhos, 2023

recorte de fotografia impressa sobre papel algodão

164 x 226 cm

Atlas, 2023

fotografia impressa sobre papel algodão

59 x 48 cm

Sem título, 2019

recorte de fotografia impressa em papel algodão

48 x 38 cm

Sem título, 2023

recorte de fotografia impressa sobre papel algodão

165 x 225 cm

Sem Título, 2023

fotografia impressa sobre papel algodão

53 x 42 cm

Sem título, 2023

fotografia impressa sobre papel algodão

32 x 26 cm

Sem título, 2023

recorte de fotografia impressa sobre papel algodão

104 x 158 cm

Sem título, 2023

recorte de fotografia impressa sobre papel algodão

152 x 225 cm

Linha de Névoa, 2023

recorte e colagem de fotografia impressa em papel algodão

160 x 140 cm

Sem título, 2023

recorte e colagem de fotografia impressa em papel algodão

178 x 162 cm

Algodões, 2023

recorte e colagem de fotografia impressa em papel algodão

176 x 160 cm

Cedro do Atlântico, 2023

fotografia impressa sobre papel algodão

82 x 122 cm

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