Roberto Longhi certa vez afirmou que "a linha, por mais débil que seja, distrai-nos da cor". A linha é movimento, carrega o olho para onde quer que ela vá, granjeia, ondula, foge, ataca, distrai-nos como gatos seguindo a agitação da ponta de laser. A cor sozinha não se move, fica ensimesmada, no máximo pulsa, nervosa, a sua fluorescência querendo emanar. Ela só consegue produzir movimento na interação que realiza com outra. Só assim elas se aglutinam ou se repelem, continuam onde parecem interrompidas, aceleram-se ou se retardam.
Na verdade, a cor nunca está sozinha. Uma cor é aquilo que surge da sua interação com uma outra. Joseph Albers fala disso lindamente quando se aprofunda nas complexidades da percepção das cores, enfatizando que elas são constantemente influenciadas por seus ambientes e podem criar efeitos ópticos inconstantes. Sua teoria se desenvolve a partir de sua prática de experimentos que demonstram como uma mesma cor pode parecer diferente dependendo das cores que estão em seu entorno. Albers nos desafia a considerar a natureza subjetiva da percepção das cores e nos incentiva a um envolvimento ativo com elas.
Kandinsky definiu a pintura moderna assumindo a planaridade da superfície, tomando-a como matéria de investigação do "ponto, da linha e do plano", deixando a cor como um elemento acessório da estrutura pictórica moderna. Ele, no entretanto, foi também aquele que em sua obra inicial explorou a potência e o alcance dos contrastes de cor. Kandinsky acreditava que as cores podiam evocar respostas espirituais e emocionais nos espectadores. Ele via as cores como tendo qualidades musicais inerentes, com cada tonalidade possuindo sua própria personalidade e voz. Seu uso da cor era profundamente simbólico, representando diferentes emoções e estados espirituais. Paul Klee abordou a cor de uma perspectiva mais lúdica e imprevisível. Ele acreditava que as cores tinham sua própria linguagem e podiam se comunicar diretamente com o espectador. Ele também via a cor como uma forma de música visual, criando padrões rítmicos e harmônicos por meio de suas composições complexas. A obra e o pensamento de Klee sobre as cores ensina-nos a explorar combinações inusitadas de cores e formas, assim como a de Albers. Se a obra de Albers parece trazer uma perspectiva mais analítica e sistemática, por meio da dissecação das complexidades das relações entre as cores e as ilusões de óptica, seus experimentos demonstram como as cores podem mudar e interagir umas com as outras.
Os quatro mestres aqui reunidos, Alfredo Volpi, André Ricardo, Gonçalo Ivo e Ione Saldanha, conhecem o dom de fazer cantar o azul na conversa alegre com o rosa, na interação cerebral com verde, na profunda e séria confrontação com o vermelho. Eles estão entre os maiores coloristas da arte brasileira. Mestres em fazê-las superfície matérica, como Volpi e André Ricardo, este formado na lição do primeiro, em revelar suas texturas e organicidade, como Ione Saldanha, ou em ouvir a partitura de seus infinitos matizes, como Gonçalo Ivo.
Seja através da têmpera ou do óleo, em suportes como tela, madeira, bambu ou papel, suas obras refletem sobre a imprevisibilidade da experiência vivida, afirmando a cor como sua concretude pulsante. As relações que produzem são modelos de uma sociabilidade libertadora, solidária e plural. Artistas cuja obra é atenta à capacidade das cores de se relacionarem de modo imprevisto, de desarmarem nossos preconceitos e produzir emoção e engajamento, sua obra nos proporciona o tudo que é vital, com o aqui e com o agora.
Fernanda Pitta