Uma tríplice aliança yorubaiana¹. 

        

Para a cultura iorubá, o tempo é um evento circular. Passado, presente e futuro se confundem e entrelaçam entre si. A Bahia, terra mãe do Brasil, foi também o porto de chegada da cultura iorubana. Provinda sobretudo da Nigéria, mas também do Benin e do norte do Togo, o iorubá é a etnia mais presente em Salvador, no dia a dia das pessoas e também nos principais terreiros de candomblé da cidade, por exemplo. Essa presença veêm sendo abordada por artistas de diferentes gerações e estilos desde o final dos anos 1940, começo dos 1950, quando podemos perceber um afloramento de um movimento moderno genuinamente baiano. Não somente pela incorporação de temáticas relacionadas à presença da cultura afrodiaspórica – sobretudo na capital e na o recôncavo baiano –, mas também pela inserção de referências da cultura popular relacionada ao barro, à terra, ao couro; referenciais dos povos indígenas; e ainda uma presença de artistas afrobrasileiros abordando sua própria cultura. 

A exposição Legado: Mestre Didi, Emanoel Araújo e Ayrson Heráclito reúne justamente três baianos expoentes máximos dessa tradição. Diferentes tempos reunidos em um mesmo espaço que vai além de uma conexão evidentemente cronológica, cuja existência é real. A contribuição aqui é de todos para todos, como em uma encruzilhada. É fato que Mestre Didi (1917 - 2013) influenciou Emanoel Araújo (1940 - 2022) e que ambos influenciaram Ayrson Heráclito (1968). No entanto, é verdade também que a contribuição aqui acontece em três vias, como em uma via de mão-tripla onde caminhos se cruzam e fortalecem as estradas individuais. Se a trajetória vanguardista de Mestre Didi pavimentou o caminho para Emanoel Araújo, este consolidou a estrada. Não somente com sua produção como artista, mas sobretudo com seu trabalho como curador e introdutor da arte negra no circuito artístico nacional. De fato, Ayrson Heráclito atualmente transita nessa estrada, no entanto, vem ampliando gradativamente o alcance desse legado para ele e para os outros, sobretudo a nível internacional. 

Simultaneamente à abertura dessa exposição em Curitiba, o Museo del Barrio em Nova York inaugurou a primeira grande mostra individual do Mestre Didi fora do Brasil. Ayrson foi um dos curadores² desse projeto que, de certa forma, está apresentando ao sistema de arte internacional essa produção única de origem “yorubaiana”. Didi, além de artista, foi um grande sacerdote do candomblé, sendo filho sanguíneo de Mãe Senhora, uma das mais importantes ialorixás da Bahia, que também foi mãe-de-santo de Jorge Amado, Pierre Verger e Carybé. Sua produção escultórica representa símbolos, cores e formas das ferramentas, ícones, animais, folhas e materiais provindos do candomblé. Obras de taliscas de dendê trançadas, que fazem referência direta ao Ibiri ­– uma ferramenta da orixá Nanã que o artista ressignificou com grande liberdade formal e, também, espiritual. Mestre Didi criou inúmeras dessas esculturas, “totens” energéticos, com variações cromáticas e distintos tamanhos. É evidente que as obras dele dialogam diretamente com a produção aqui apresentada por Ayrson Heráclito, sendo a série Juntó uma homenagem ao Mestre Didi.

Ayrson Heráclito é atualmente o principal artista e articulador da arte afrobrasileira no circuito artístico. Sua produção vêm alcançando gradativo interesse internacional, sendo sua obra adquirida por importantes museus recentemente, como o Art Institute of Chicago; Museu Gunggenhein de Nova York; Museu Reina Sofia e Coleção Thyssen, ambas de Madrid; Museu Inhotim, em Minas Gerais; Museu Afro Brasil Emanoel Araújo, MASP e Pinacoteca de São Paulo; Museu de Arte do Rio; MAC Bahia; Museu Oscar Niemeyer, de Curitiba, além de dezenas de coleções particulares. As esculturas de metal e aquarelas da série Juntó fazem parte de um panteão de obras energéticas iniciadas pelo artista em 2020, nas quais também referencia as tradições yorubaianas. De acordo com o próprio artista “no candomblé, Juntó é a junção de dois orixás – um principal, outro complementar – que regem a vida dos indivíduos. Nas minhas esculturas, realizo essa junção utilizando-me de símbolos e objetos relacionados às divindades, permitindo assim uma ampla combinação aritmética dos 16 principais orixás cultuados no Brasil”.

A aproximação temática e, ainda nesse caso, estética, entre a produção de Mestre Didi e Ayrson Heráclito coloca o trabalho de Emanoel Araújo como um elo que transpassa essa união. O rigor das formas e a importância das cores na produção do artista coloca, à primeira vista, suas obras atreladas a um campo mais formalista da arte. No entanto, a releitura dos mesmos símbolos, cores e ícones presentes nos trabalhos dos outros dois artistas estão na base visual das esculturas, pinturas e desenhos de Araújo. Sua trajetória como artista se confundiu com sua exitosa carreira de curador e gestor cultural. Além de diretor do Museu de Arte da Bahia e da Pinacoteca de São Paulo, Emanoel Araújo foi Secretário Estadual de Cultura de São Paulo, criador e diretor do Museu Afro Brasil, e realizou centenas de mostras fundamentais para a inserção da produção africana e afrodiaspórica no país, a exemplo da mítica “A mão Afro-Brasileira - Significado da contribuição artística e histórica”, primeira grande retrospectiva da produção negra no Brasil, realizada em 1988, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, da qual Mestre Didi fez parte.

Sem dúvidas, os caminhos dos três estão intercruzados e “amarrados em folha de arruda”, sendo o trabalho de um fundamental para o desenvolvimento do trabalho do outro. A exposição Legado: Mestre Didi, Emanoel Araújo e Ayrson Heráclito celebra essa união, e apresenta o sumo da arte moderna, pós-moderna e contemporânea produzida na Bahia e no Brasil. Como diz um sábio oriki (ou provérbio iorubano): “Exu acertou um pássaro ontem com uma pedra que só atirou hoje”. Axé!

 

Daniel Rangel

 

 

¹ O termo “Yorubaiano" foi o título da exposição individual de Ayrson Heráclito, com curadoria de Marcelo Campos e Ana Maria Maia

² Rodrigo Moura, curador geral do museu, foi o outro curador da mostra. A exposição fica em cartaz de 13/03 a 13/07/2025.

Emanoel Araujo | Escultura Laranja e Azul, 2021

madeira e tinta automotiva

247 x 96 x 35 cm

Emanoel Araujo | Machado Duplo de Xangô, 2021

madeira e tinta automotiva

220 x 105 x 40 cm

Emanoel Araujo | Navio, 2022

madeira, madeira, tinta automotiva, vidro, miçanga, balaustre e corrente

220 x 60 x 19 cm

Emanoel Araujo | Navio, 2021

madeira, tinta automotiva, miçangas e objeto vintage

220 x 60 x 18 cm

Emanoel Araujo | Sem Título

madeira e aço carbono

165 x 130 x 20 cm

Emanoel Araujo | Navio, 2020

madeira, tinta automotiva, balaústre, colher de pau e gravura

224 x 84 x 18 cm

Emanoel Araujo | Relevo Branco, 2018

madeira e tinta automotiva

110 x 160 x 16 cm

Emanoel Araujo | Relevo, 2018

madeira e pintura automotiva

160 x 110 x 18 cm

Emanoel Araujo | Sem Título, 2021

madeira e tinta automotiva

220 x 50 x 16 cm

Ayrson Heráclito | Xaxará com Avivi, 2023

aço inoxidável

188 x 30 x 30 cm

Ayrson Heráclito | Xaxará com grelha de tempo, 2023

aço inoxidável

90 x 21 x 15 cm

Ayrson Heráclito | Draká com Abebé, 2021 

aço inoxidável

151 x 49 x 30 cm

Ayrson Heráclito | Abebê com Ofá, 2020

fotografia impressa com pigmentos minerais sobre Canson Rag Photographique 310 g/m2

122 x 150 cm

Emanoel Araujo | Pendente vermelho, 2017

madeira policromada e metal

115 x 160 x 21 cm

Mestre Didi | Sem Título

couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa

165 x 44 x 16 cm

Mestre Didi | Opa Eye Orun

couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa

57,5 x 10 x 10 cm

Mestre Didi | Sasara? Nla? - Grande Xaxara?

couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa

78,5 x 17 x 15 cm

Mestre Didi | Sasara? Nlá - Grande Xaxara? II

couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa

67,5 x 17 x 9 cm

Mestre Didi | Sem Título, 1973

couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa

63 x 34 x 21 cm

Mestre Didi | Sem Título

couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa

92 x 42 x 26 cm

X
ID: 20
Emanoel Araujo | Escultura Laranja e Azul, 2021
madeira e tinta automotiva
247 x 96 x 35 cm





X
ID: 21
Emanoel Araujo | Machado Duplo de Xangô, 2021
madeira e tinta automotiva
220 x 105 x 40 cm





X
ID: 22
Emanoel Araujo | Navio, 2022
madeira, madeira, tinta automotiva, vidro, miçanga, balaustre e corrente
220 x 60 x 19 cm

Emanoel Araujo

Navio, 2022

madeira, tinta automotiva, vidro, 

miçanga, balaustre e corrente

wood, automotive paint, glass, 

beads, baluster and chain

220 x 60 x 19 cm

86,6 x 23,6 x 7,5 in

 






X
ID: 23
Emanoel Araujo | Navio, 2021
madeira, tinta automotiva, miçangas e objeto vintage
220 x 60 x 18 cm





X
ID: 24
Emanoel Araujo | Sem Título
madeira e aço carbono
165 x 130 x 20 cm





X
ID: 25
Emanoel Araujo | Navio, 2020
madeira, tinta automotiva, balaústre, colher de pau e gravura
224 x 84 x 18 cm





X
ID: 26
Emanoel Araujo | Relevo Branco, 2018
madeira e tinta automotiva
110 x 160 x 16 cm

Emanoel Araujo

Relevo Branco, 2018

madeira e pintura automotiva

wood and automotive paint

110  x160 x 16 cm

43,3 x 63 x 6,3 in






X
ID: 27
Emanoel Araujo | Relevo, 2018
madeira e pintura automotiva
160 x 110 x 18 cm





X
ID: 28
Emanoel Araujo | Sem Título, 2021
madeira e tinta automotiva
220 x 50 x 16 cm





X
ID: 29
Ayrson Heráclito | Xaxará com Avivi, 2023
aço inoxidável
188 x 30 x 30 cm





X
ID: 30
Ayrson Heráclito | Xaxará com grelha de tempo, 2023
aço inoxidável
90 x 21 x 15 cm





X
ID: 31
Ayrson Heráclito | Draká com Abebé, 2021 
aço inoxidável
151 x 49 x 30 cm





X
ID: 32
Ayrson Heráclito | Abebê com Ofá, 2020
fotografia impressa com pigmentos minerais sobre Canson Rag Photographique 310 g/m2
122 x 150 cm





X
ID: 33
Emanoel Araujo | Pendente vermelho, 2017
madeira policromada e metal
115 x 160 x 21 cm





X
ID: 34
Mestre Didi | Sem Título
couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa
165 x 44 x 16 cm





X
ID: 35
Mestre Didi | Opa Eye Orun
couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa
57,5 x 10 x 10 cm



 






X
ID: 36
Mestre Didi | Sasara? Nla? - Grande Xaxara?
couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa
78,5 x 17 x 15 cm





X
ID: 37
Mestre Didi | Sasara? Nlá - Grande Xaxara? II
couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa
67,5 x 17 x 9 cm



 






X
ID: 38
Mestre Didi | Sem Título, 1973
couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa
63 x 34 x 21 cm





X
ID: 39
Mestre Didi | Sem Título
couro pintado, búzios, miçangas sobre nervura de palmeira e palha da costa
92 x 42 x 26 cm





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