A Abstração é uma Invenção
A arte abstrata representou um grande ponto de inflexão na história cultural europeia e brasileira, mudando os paradigmas do que se praticava na pintura, na escultura, no desenho e até na fotografia. Contudo, a abstração permanece um conceito de difícil definição, constituindo-se no campo da arte em oposição à figuração – ou seja, não é uma ideia afirmativa, mas é compreendida pela ausência de algo. Seria possível, no entanto, considerar que a geometria não é abstrata, é a concreção de uma forma; de outro lado, poderíamos também pensar que desenhar ou pintar um objeto seria, em si, a abstração do real em uma imagem que habita um mundo imaginário, da representação. No final das contas, pouco importa o nome que damos. A verdade é que os trabalhos artísticos – figurativos ou não – existem em uma dimensão outra, na qual as regras de linguagem, as leis da física, as normas sociais e as convenções não precisam ser seguidas: afinal, tudo é possível na superfície de uma tela, no escopo de uma escultura, ou na luz de uma fotografia.
Os artistas reunidos nessa mostra inaugural da Simões de Assis em Balneário Camboriú não lançam mão da linguagem figurativa em seus trabalhos, mas empregam figuras. Ora a geometria marca a composição em grid ou em linhas de proporções e regras ordenadas, como nas obras de Abraham Palatnik, de Elizabeth Jobim, de André Azevedo e de Ascânio MMM. O mesmo se passa nos trabalhos de Mano Penalva e José Bechara, ainda que por meio de materiais inusuais distintos – como as lixas e palhinhas que se transformam em polígonos, ou a lona de caminhão usada que serve de base para a pintura. Ora vemos surgir sugestões de paisagens e horizontes, que se materializam nas peças de Sergio Lucena e de Julia Kater. De um lado, a pintura suave despista o espectador da fatura laboriosa do artista que acumula milhares de finas camadas de tinta; de outro, as imagens fotográficas são distorcidas por Kater. Já Gonçalo Ivo e Frank Ammerlaan lançam mão de noções cósmicas para criar composições estelares, planetárias e universais; enquanto isso, numa outra chave, os relevos geométricos de Juan Parada e Emanoel Araujo trazem a composição regular em volumes para o espaço, jogando também com noções de profundidade, luz e sombra. O conjunto da exposição reforça as infinitas possibilidades que a abstração oferece aos artistas e ao campo visual, com formas que ora apontam para a geometria, ora para linhas orgânicas e composições intuitivas, ou ainda para sugestões de paisagens, horizontes e planetas, revelando como as classificações da história da arte são insuficientes para nomear tudo aquilo que se inventa.
Julia Lima