O diálogo entre as obras dessa exposição cria a ideia de uma paisagem inventada ou a aparição de um lugar, que de alguma forma, através de uma construção abstrata e econômica de elementos, suscita a dúvida sobre aquilo que está diante de nós. Nesse percurso, não há mais possibilidade de distinguir o que é o mais “verdadeiro”, o mais “real”. Portanto, não seriam paisagens de ordem mimética, mas formas que ao mesmo tempo em que se apontam a falência de uma representação figurativa, alcançavam novos limites para a pintura e a fotografia. Em algumas dessas obras, a fragmentação do objeto leva-nos a duvidar sobre a realidade ou presença de um lugar, e aí surge a necessidade de reunir seus pedaços em uma unidade. Há uma espécie de reafirmação, algo como uma revalidação da realidade, enfim garantida pelo discurso estético. Com efeito, esse discurso acerca da paisagem não tem mais ligação com um objeto do mundo natural, mas com a investigação a respeito das próprias circunstâncias que são mobilizadoras dessa transformação da paisagem.
Constituir uma paisagem não como reprodução mimética da natureza, mas experimentá-la, e/ou vivenciá-la é uma das vertentes com as quais as obras aqui apresentadas nos trazem. As obras de Delson Uchôa, Gilvan Nunes, Paolo Ridolfi e Rafael Alonso podem se constituir, inclusive, como pinturas que se colocam como expansão da própria ideia que se faz dela. Não há figuras humanas ou formas que remetam logo de imediato a um lugar, mas é essencialmente nos resquícios do que poderíamos chamar de dados identificadores de uma paisagem ou de uma memória que a obra altera permanentemente a imagem percebida. São paisagens que mesclam velocidade e estranhamento – como nas obras de Tony Camargo em que estão conectados sintomas como signos urbanos e pop’s e uma, digamos, camuflagem que inverte a ideia de autorretrato – o que nos leva a dedicar tempo para a sua fruição, e provocar uma tensão nessa dualidade temporal (entre o momento em que aparece e a experiência de ser decodificada).
Nas obras de Uchôa há uma audácia em deslocar o corriqueiro e anti-natural para a pintura de paisagem, que apesar das suas constantes experimentações ainda estão preenchidos de certa aura acadêmica e conservadora. É geralmente a pintura de observação um dos primeiros estudos para quem adentra a academia de belas-artes. O acento acadêmico está lá, mas ao mesmo tempo suas pinturas não abdicam da gestualidade, apesar dessa agora aparecer de outra maneira.
Ademais, não há indícios de uma “brasilidade” ou de reconhecimento de um território, mas de uma linguagem universal que se dá pela invenção acerca do uso de materiais ou da própria aparição ao mundo. Suas experimentações estão mais próximas de um diálogo transnacional do que local.
Na construção de distintas paisagens, esses artistas lançam mão de uma estética por vezes irônica que fica entre a ideia do absurdo (Camargo) ou da falsidade (Alonso), por exemplo. O artificial e o real, o inventado e o concreto, a verdade e a mentira, o original e a cópia, a imagem e seu referente não “se dividem mais segundo uma dicotomia serena, mas mantêm relações fluidas”, que abrem caminho a um pensamento do verossímil. Essas obras nos revelam que a realidade não é mais exatamente a mesma: ela é duplicada, confrontada, e reforçada pela ficção.
¹ CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins, 2007, p. 109.
FELIPE SCOVINO